São Paulo, quinta-feira, 26 de maio de 2005

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ENERGIA

Ocidente espera que obra de 1.700 km que leva petróleo da Ásia à Europa reduza dependência do volátil golfo Pérsico

Oleoduto do Cáspio ao Mediterrâneo é aberto

Badri Vadachkoria/Associated Press
O secretário dos EUA Bodman (2º da dir. para a esq.) com presidentes de Turquia, Geórgia e Azerbaijão


DANIEL HOWDEN
PHILIP THORNTON
DO "THE INDEPENDENT"

Foi aberta ontem a torneira do oleoduto que atravessa alguns dos países mais instáveis e devastados por guerras do mundo. É esse o fluxo de óleo visto como a tábua de salvação do Ocidente.
Com apenas 106 cm de largura, o oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan era visto como algo que poderia representar a salvação eterna do mercado petrolífero mundial. O oleoduto de 1.700 km já transformou a geopolítica do Cáucaso, e agora seu impacto está sendo sentido na imensidão da Ásia central.
A previsão é que a produção chegue a 1 milhão de barris por dia -mais de 1% da produção mundial total-, a partir de uma reserva subterrânea que pode conter até 220 bilhões de barris.
Seus arquitetos e investidores afirmam que o oleoduto pode reforçar o fornecimento energético dos EUA e Europa por 50 anos, protegendo nossa enorme sede de gasolina e reduzindo nossa dependência da família real saudita.
O objetivo da obra, do mar Cáspio no Azerbaijão até a costa mediterrânea da Turquia, passando pela Geórgia, é reduzir a dependência ocidental da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e levar gasolina mais barata aos postos de combustível ocidentais. O oleoduto abre caminho pela região dentro de um corredor privado aparentemente modesto, de apenas 50 metros de largura, mas não se permitiu que nada ficasse em seu caminho.
Desde florestas até leis trabalhistas, passando por espécies em perigo de extinção e manifestantes em favor da democracia, tudo teve que ceder para abrir caminho para o oleoduto mais caro e importante já construído no mundo.
Conhecido como BTC, o oleoduto provocou divisões entre EUA e Rússia, distúrbios políticos nos países pelos quais passa e vizinhos e preocupações ambientais.
Desde os ataques terroristas de 11 de Setembro, aumenta a inquietação diante da dependência do Ocidente sobre o petróleo do golfo Pérsico. Para Washington, a abertura do oleoduto é motivo de comemoração. "É um importante passo à frente em termos da segurança energética da região", declarou o secretário americano da Energia, Samuel Bodman, ao lado de três chefes de Estado na cerimônia de ontem.
A seu lado, diante dos controles da estação de bombeamento do oleoduto, estava o presidente da ex-república soviética do Azerbaijão. O BTC permitiu a Ilham Aliev tornar-se aliado firme do Ocidente, ao mesmo tempo em que chefia um governo condenado por violações dos direitos humanos e corrupção.
A política do oleoduto também mudou a Geórgia, onde os EUA colocaram seu imenso poder ao lado da "Revolução Rosa" de 2003. Os protestos populares conduziram ao poder o presidente Mikhail Saakashvili, formado nos EUA. Os novos laços de Washington com Tbilisi ficaram claros neste mês, quando George Bush tornou-se o primeiro presidente americano a visitar a Geórgia.
No caso da Turquia, aliada de longa data dos EUA, não é por acaso que o oleoduto passe diretamente ao lado da base aérea americana de Incirlik.
Quando as grandes empresas petrolíferas voltaram sua atenção às potenciais reservas do mar Cáspio, liberto dos muros caídos da antiga União Soviética, a região começou a ser descrita como "o novo Oriente Médio". Se o petróleo pudesse ser transportado com segurança do mar Cáspio ao Mediterrâneo, o Ocidente ganharia uma alternativa vital às reservas do volátil golfo Pérsico, e a região seria liberta do jugo da Rússia, que até então havia monopolizado as rotas de exportação de seus antigos satélites soviéticos.
Foram traçados três planos distintos para o oleoduto: um trajeto norte, que passaria pela Rússia, um alternativa ao sul, atravessando o Irã, e a opção central, pelo Cáucaso, chegando ao Mediterrâneo. Não poderia haver dúvidas quanto à proposta vencedora: o caminho do meio era o único que garantia controle a Washington e suas empresas aliadas.
O vice-presidente americano Dick Cheney, que na época era executivo-chefe da gigante dos serviços petrolíferos Halliburton, foi um dos primeiros a se deixar levar pelo clima de animação. "Não posso imaginar nenhum outro momento em que uma região tenha emergido tão rapidamente para ganhar importância estratégica tão grande quanto o Cáspio", disse ele em 1990.
Hoje, após mais de uma década e US$ 4 bilhões de gastos, o oleoduto está aberto, com grande esquema de segurança contra atentados terroristas. O óleo que começou a fluir em quantidade modesta é a primeira parte de uma reserva que, segundo hoje crêem muitos analistas, na realidade equivale a só 32 bilhões de barris -comparável à de um pequeno país do Golfo, como o Qatar.


Tradução de Clara Allain


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