São Paulo, segunda-feira, 26 de maio de 2008

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Efeito da crise ainda persiste, diz ex-FMI

Para Fischer, ex-número dois do Fundo Monetário Internacional, pior já passou, mas conseqüências permanecem

Há três anos na presidência do BC israelense, Fischer avalia que a paz faria o país crescer 1 ponto acima dos 3% previstos para 2008


MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A JERUSALÉM

O pior da crise financeira já passou, mas o mundo ainda sofrerá suas conseqüências por um bom tempo.
Sentado à vontade em seu amplo gabinete em Jerusalém, Stanley Fischer faz o alerta em voz baixa, com a autoridade de quem ocupou alguns dos mais importantes cargos da economia mundial antes de assumir a presidência do Banco Central de Israel, há três anos.
Fischer teve papel de destaque para o Brasil na crise cambial de 1999, quando era o número dois do FMI (Fundo Monetário Internacional) e já tinha passado pelas crises do México, da Ásia e da Rússia. Sua aparição em Brasília ao lado do então ministro da Fazenda, Pedro Malan, em que ditou as regras para que o Brasil recebesse um empréstimo, foi vista por muitos como um símbolo da submissão do país ao FMI.
Fischer, que lembra bem daquele dia em Brasília, discorda da avaliação errada. Ele reconhece que considerava essencial mostrar com clareza ao governo brasileiro a política econômica defendida por sua instituição -basicamente economizar e gastar menos-, mas diz que o FMI jamais guiou a equipe comandada por Malan. Prova disso é que o fundo era favorável a uma mudança na política cambial brasileira bem antes da maxidesvalorização do real, em janeiro de 1999.
"Já havia um desejo de que o Brasil tornasse o seu câmbio mais flexível, o que acabou acontecendo quando já não havia absolutamente mais nenhuma outra opção", diz Fischer. Ele nega que tenha recomendado a dolarização da economia brasileira no auge da crise cambial, como conta o jornalista Paul Blustein no livro "Vexame", sobre os bastidores do FMI durante as turbulências da década de 90. "É besteira", afirma Fischer.

Sem comentários
Sobre a atual situação econômica do Brasil, prefere não comentar. "Ouço dizer que está bem, mas não tenho acompanhado de perto", diz.
Personagem central do chamado Consenso de Washington por quase dez anos -antes de ir para o FMI havia sido economista-chefe do Banco Mundial -, Fischer tem pouca paciência para os que acusam as políticas defendidas nas duas instituições pelas crises atuais, incluindo a alimentar. Entre essas críticas está a de que o FMI enfraqueceu a agricultura dos países pobres ao incentivar a produção industrial, para, dessa forma, ganhar competitividade no comércio mundial.
"Os países cometem erros e precisam colocar a culpa em alguém", diz Fischer, que acha que o FMI pode ter um papel importante para reduzir os estragos causados pela atual crise mundial. Em primeiro lugar, concedendo empréstimos aos países em necessidade. E também monitorando "mais intensamente" os mercados financeiros mundiais para que a crise fique sob controle.
Apesar de admitir que o pior da crise nos mercados passou, incluindo o temor de que grandes bancos entrassem em colapso coletivo, Fischer acha que a crise iniciada no ano passado no mercado americano de hipotecas de alto risco ("subprime") e que contaminou boa parte do mundo rico, ainda está longe de seu capítulo final.
"Há um grande risco para todas as economias. Felizmente até agora os BCs foram bem-sucedidos em colocar a crise financeira sob controle, mas as conseqüências reais não terminaram" diz Fischer.
"A crise imobiliária americana continuará, o ajuste na conta corrente dos EUA também. Isso significa que para quem não é exportador de commodities ou de petróleo a vida será difícil por um tempo."
Fischer recebeu a Folha há duas semanas, em meio às comemorações pelos 60 anos de Israel. Seu escritório, situado na colina em que ficam os ministérios e outros órgãos do Poder Executivo israelense, tem uma privilegiada vista de Jerusalém. Exatamente em frente à sede do BC fica o escritório do premiê, Ehud Olmert, que alguns dias antes havia sido interrogado pela polícia em um novo escândalo envolvendo suspeitas de corrupção.

Desafio doméstico
As reviravoltas políticas domésticas e regionais são um desafio a mais para quem administra a economia do país, admite Fischer, mas não chegam a ter um efeito determinante. "Desde que a investigação sobre Olmert foi anunciada, o shekel [moeda nacional] desvalorizou-se em 0,46%."
O economista passou por momentos bem mais instáveis em Israel desde maio de 2005, quando assumiu o cargo a convite do ex-premiê Ariel Sharon -em coma há mais de dois anos. "Os israelenses têm experiência com a instabilidade. Apesar de barulhentos, são calmos em momentos de crise", afirma Fischer. "Situações políticas instáveis, como a doença de Sharon e a vitória do [grupo islâmico] Hamas em Gaza, não duraram mais que uma semana nos mercados."
Judeu nascido em Zâmbia, em 1943, Fischer tem o currículo marcado por instituições-chave da economia mundial. Foi chefe do departamento de economia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts e é co-autor de um livro tido como referência no ensino de macroeconomia. Além do FMI e do Banco Mundial, sua atuação pública incluiu consultorias ao governo dos EUA. Também esteve no topo do setor privado: antes de ir para Israel, era vice-presidente do Citigroup.
Desde que assumiu o BC, Fischer tem navegado por águas tranqüilas: a economia israelense cresceu acima de 5% nos últimos quatro anos, em grande parte graças ao boom de exportações, responsáveis por 45% do PIB. Diante da desaceleração mundial, a previsão de crescimento em 2008 é menor, pouco mais de 3%.
A médio prazo, diz Fischer, esse desempenho seria melhor se Israel melhorasse sua relação com os vizinhos. "Alguns dizem que a instabilidade ajudou a economia, pois as necessidades do Exército fizeram surgir um setor forte de tecnologia, mas eu acho que a paz seria ainda melhor", diz Fischer. Ele calcula acréscimo de ao menos um ponto percentual no crescimento do país se a situação regional se estabilizasse.


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