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Efeito da crise ainda persiste, diz ex-FMI
Para Fischer, ex-número dois do Fundo Monetário Internacional, pior já passou, mas conseqüências permanecem
Há três anos na presidência do BC israelense, Fischer avalia que a paz faria o país crescer 1 ponto acima dos 3% previstos para 2008
MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A JERUSALÉM
O pior da crise financeira já
passou, mas o mundo ainda sofrerá suas conseqüências por
um bom tempo.
Sentado à vontade em seu
amplo gabinete em Jerusalém,
Stanley Fischer faz o alerta em
voz baixa, com a autoridade de
quem ocupou alguns dos mais
importantes cargos da economia mundial antes de assumir a
presidência do Banco Central
de Israel, há três anos.
Fischer teve papel de destaque para o Brasil na crise cambial de 1999, quando era o número dois do FMI (Fundo Monetário Internacional) e já tinha passado pelas crises do
México, da Ásia e da Rússia. Sua
aparição em Brasília ao lado do
então ministro da Fazenda, Pedro Malan, em que ditou as regras para que o Brasil recebesse
um empréstimo, foi vista por
muitos como um símbolo da
submissão do país ao FMI.
Fischer, que lembra bem daquele dia em Brasília, discorda
da avaliação errada. Ele reconhece que considerava essencial mostrar com clareza ao governo brasileiro a política econômica defendida por sua instituição -basicamente economizar e gastar menos-, mas diz
que o FMI jamais guiou a equipe comandada por Malan. Prova disso é que o fundo era favorável a uma mudança na política cambial brasileira bem antes
da maxidesvalorização do real,
em janeiro de 1999.
"Já havia um desejo de que o
Brasil tornasse o seu câmbio
mais flexível, o que acabou
acontecendo quando já não havia absolutamente mais nenhuma outra opção", diz Fischer. Ele nega que tenha recomendado a dolarização da economia brasileira no auge da crise cambial, como conta o jornalista Paul Blustein no livro "Vexame", sobre os bastidores do
FMI durante as turbulências
da década de 90. "É besteira",
afirma Fischer.
Sem comentários
Sobre a atual situação econômica do Brasil, prefere não comentar. "Ouço dizer que está
bem, mas não tenho acompanhado de perto", diz.
Personagem central do chamado Consenso de Washington por quase dez anos -antes
de ir para o FMI havia sido economista-chefe do Banco Mundial -, Fischer tem pouca paciência para os que acusam as políticas defendidas nas duas
instituições pelas crises atuais,
incluindo a alimentar. Entre
essas críticas está a de que o
FMI enfraqueceu a agricultura
dos países pobres ao incentivar
a produção industrial, para,
dessa forma, ganhar competitividade no comércio mundial.
"Os países cometem erros e
precisam colocar a culpa em alguém", diz Fischer, que acha
que o FMI pode ter um papel
importante para reduzir os estragos causados pela atual crise
mundial. Em primeiro lugar,
concedendo empréstimos aos
países em necessidade. E também monitorando "mais intensamente" os mercados financeiros mundiais para que a crise fique sob controle.
Apesar de admitir que o pior
da crise nos mercados passou,
incluindo o temor de que grandes bancos entrassem em colapso coletivo, Fischer acha que
a crise iniciada no ano passado
no mercado americano de hipotecas de alto risco ("subprime") e que contaminou boa
parte do mundo rico, ainda está
longe de seu capítulo final.
"Há um grande risco para todas as economias. Felizmente
até agora os BCs foram bem-sucedidos em colocar a crise financeira sob controle, mas as
conseqüências reais não terminaram" diz Fischer.
"A crise imobiliária americana continuará, o ajuste na conta corrente dos EUA também.
Isso significa que para quem
não é exportador de commodities ou de petróleo a vida será
difícil por um tempo."
Fischer recebeu a Folha há
duas semanas, em meio às comemorações pelos 60 anos de
Israel. Seu escritório, situado
na colina em que ficam os ministérios e outros órgãos do Poder Executivo israelense, tem
uma privilegiada vista de Jerusalém. Exatamente em frente à
sede do BC fica o escritório do
premiê, Ehud Olmert, que alguns dias antes havia sido interrogado pela polícia em um
novo escândalo envolvendo
suspeitas de corrupção.
Desafio doméstico
As reviravoltas políticas domésticas e regionais são um desafio a mais para quem administra a economia do país, admite Fischer, mas não chegam
a ter um efeito determinante.
"Desde que a investigação sobre Olmert foi anunciada, o
shekel [moeda nacional] desvalorizou-se em 0,46%."
O economista passou por
momentos bem mais instáveis
em Israel desde maio de 2005,
quando assumiu o cargo a convite do ex-premiê Ariel Sharon
-em coma há mais de dois
anos. "Os israelenses têm experiência com a instabilidade.
Apesar de barulhentos, são calmos em momentos de crise",
afirma Fischer. "Situações políticas instáveis, como a doença
de Sharon e a vitória do [grupo
islâmico] Hamas em Gaza, não
duraram mais que uma semana
nos mercados."
Judeu nascido em Zâmbia,
em 1943, Fischer tem o currículo marcado por instituições-chave da economia mundial.
Foi chefe do departamento de
economia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts e é
co-autor de um livro tido como
referência no ensino de macroeconomia. Além do FMI e
do Banco Mundial, sua atuação
pública incluiu consultorias ao
governo dos EUA. Também esteve no topo do setor privado:
antes de ir para Israel, era vice-presidente do Citigroup.
Desde que assumiu o BC, Fischer tem navegado por águas
tranqüilas: a economia israelense cresceu acima de 5% nos
últimos quatro anos, em grande parte graças ao boom de exportações, responsáveis por
45% do PIB. Diante da desaceleração mundial, a previsão de
crescimento em 2008 é menor,
pouco mais de 3%.
A médio prazo, diz Fischer,
esse desempenho seria melhor
se Israel melhorasse sua relação com os vizinhos. "Alguns
dizem que a instabilidade ajudou a economia, pois as necessidades do Exército fizeram
surgir um setor forte de tecnologia, mas eu acho que a paz seria ainda melhor", diz Fischer.
Ele calcula acréscimo de ao menos um ponto percentual no
crescimento do país se a situação regional se estabilizasse.
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