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OPINIÃO ECONÔMICA
Carambolas
JOÃO SAYAD
Dizem que carambolas são
frutas muito especiais: contêm um veneno e o antídoto em
cada fruta. Devem ser comidas
inteiras, do contrário corremos o
risco de intoxicação.
Existem dois tipos de economistas: os que inventam teorias e os
que desinventam. Funcionam como remédio e antídoto. Muitas
vezes é mais difícil inventar o antídoto do que o remédio venenoso.
O problema não é limitado ao
pensamento econômico. A vida
mental é inercial e covarde: não
gostamos nem de mudar a forma
de pensar nem de ficar sem teoria
nenhuma.
No primeiro quarto do século
20, marxistas europeus se recusavam a qualquer participação política ativa, pois a revolução proletária que finalmente implantaria o comunismo estava prestes a
se realizar, de acordo com a interpretação marxista corrente.
Gramsci era heterodoxo, pois não
se conformava com a fé dogmática dos companheiros.
Esse tipo de idéia surge geralmente entre conservadores, isto é,
os donos do "livro" ou da herança
intelectual de alguma área de conhecimento.
Depois da Primeira Guerra
Mundial, economistas acreditavam que, apesar de todas as mudanças estruturais ocorridas
-ascensão e hegemonia dos Estados Unidos no lugar da Inglaterra, desmonte do Império Austro-Húngaro, Revolução Bolchevique na Rússia, pesados pagamentos de reparação impostos à
Alemanha derrotada-, a economia mundial voltaria à prosperidade de antes da guerra desde
que as taxas de câmbio fossem
corrigidas de acordo com a teoria
da paridade do poder de compra
e fixadas.
A teoria e a política econômica
passivas custaram várias hiperinflações na Europa Oriental e culminaram com a crise de 1929.
As teorias que propõem inatividade ou remédios simples -não
faça nada, não intervenha, deixe
como está- têm muito sucesso.
É análoga a situação atual, em
que economistas do mundo inteiro acreditam que, cortando o déficit público e privatizando as empresas estatais, todos os países do
mundo podem se transformar em
Inglaterras e Estados Unidos que
crescem sem inflação e com democracia.
Nos anos 70, os monetaristas de
Chicago propuseram a teoria de
que a quantidade de moeda tinha
de crescer a taxas constantes,
iguais à taxa de crescimento da
economia, e de que o Banco Central deveria ser independente para praticar essa política.
A teoria seduziu governos e
mercados do mundo inteiro, apesar de ninguém saber direito o
que é moeda, isto é, como se define aquilo que deveria crescer a
uma taxa constante dada pelo
crescimento da economia.
Ainda tem vigor teórico, faz
parte dos discursos na América
Latina, embora, na prática, todos
já a tenham esquecido.
Os exemplos não acabam: o imposto único, que nunca existiu,
acabou se tornando a CPMF.
O caso mais interessante é sobre
o mercado de capitais.
Há uns 30 anos, teóricos de finanças vieram com a teoria de
que o mercado de capitais é eficiente, isto é, os preços das ações
ou as taxas de juros refletem todas e as melhores informações
disponíveis sobre a economia.
A teoria tinha tudo para dar
certo -ideologicamente consistente, simples, sedutora e misteriosa.
Virou verdade. Banqueiros do
mundo inteiro vivem dizendo que
é impossível "ganhar" do mercado, ou seja, ir contra o mercado.
Foram criados fundos de ações
cujo objetivo é acompanhar a
evolução do índice da Bolsa, pois,
de acordo com a teoria, ninguém
é capaz de "ganhar" do mercado.
Aplicadores brigam com os administradores desses fundos, pois,
se ganharem mais do que o mercado, estão indo contra a teoria e
assumindo riscos desnecessários.
Devemos ser muito gratos ao
professor Shiller, da Universidade
Yale, que mostrou, com simplicidade e bom senso, que o mercado
de capitais funciona mal como
funciona por causa de mimetismo, discurso apologético sobre a
nova economia e otimismo.
Não é preciso repetir os argumentos.
Basta ver que o índice preço/lucro da Bolsa de Nova York já
atingiu valores maiores do que 40
no ano passado, enquanto em
1929 havia atingido valores em
torno de 30.
Mesmo que a economia americana cresça continuamente a 4%
ao ano, por muitos anos, se os lucros acompanharem a expectativa da Bolsa, a participação dos
lucros corporativos na economia
americana vai dobrar, o que é altamente improvável. Ou seja, a
exuberância é realmente irracional.
A demonstração custou trabalho, pesquisas e dois best sellers
-"Volatilidade de Mercado" e
"Exuberância Irracional" (Princeton Universtity Press).
No Brasil, acredita-se que a globalização inaugurou nova era, a
qual tornou os governos incapazes de fazer qualquer política econômica que incentive o desenvolvimento, reduza as disparidades
ou promova o interesse nacional.
A crença, como sempre, é confortável.
Se durar tanto quanto a teoria
dos mercados eficientes, temos
que esperar mais dez anos para
nos livrar dela. Talvez a realidade
a substitua antes.
João Sayad, 53, economista, professor
da Faculdade de Economia e Administração da USP e ex-ministro do Planejamento (governo José Sarney); é autor de
"Que País é Este?" (editora Revan); escreve às segundas-feiras nesta coluna.
E-mail - jsayad@ibm.net
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