São Paulo, quarta-feira, 26 de junho de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Real, ano 8: um balanço

PAULO RABELLO DE CASTRO

O programa de modernização econômica contido no chamado Plano Real atinge um momento de consolidação e enfrenta o seu mais duro teste: o de manutenção de curso, mesmo diante de uma virada de poder. Os brasileiros precisam que o Real passe nesse teste. O futuro, os próximos dez anos estão em jogo.
Para entender o que o Real representou para a economia do país, três palavras o resumem: estabilidade, liberdade e igualdade. Nada explica melhor o Plano Real do que a estabilidade da moeda, conseguida e mantida, a duras penas, nestes oito anos dos dois mandatos de FHC.
O Brasil sempre foi um país inflacionista, descuidado de sua moeda, infiel aos bons princípios da preservação do valor do dinheiro, avesso à disciplina na emissão dos meios de pagamento. Aprendeu à custa de décadas de superinflação, mas aprendeu mais ainda ao sentir as vantagens da moeda estável e de preços previsíveis na prateleira dos supermercados.
Qualquer governante que ferir o princípio da estabilidade estará fora em dois tempos. Esse é o grande legado de FHC e de sua equipe ao nosso país. Aliás, a própria estabilidade da equipe chefiada por Pedro Malan é um espelho disso.
Mas ganhamos também "liberdade". Talvez não tanto a liberdade civil, já que ir e vir, nas grandes e médias cidades, é sempre sujeito ao encontro com uma bala perdida... Mas, à parte esse mal crônico dos nossos tempos conflagrados, a liberdade econômica foi grandemente ampliada no período FHC. Não consideremos só as eliminações de monopólios gravosos nas áreas de telefonia e energia elétrica. Falemos, principalmente, da liberdade de preços, paradigma do Plano Real, que não congelou, mais liberou os mercados, desde sua partida, em julho de 1994, razão principal do seu sucesso.
Falemos, no mesmo tom, da liberação do câmbio, fator essencial à superação da crise de 1998-99 e que, hoje, nos afasta das características da crise argentina.
A liberdade de preço e de câmbio foi determinante na produção de uma "tábua verde" da estabilidade dos preços da alimentação. A agricultura brasileira respirou aliviada das intervenções absurdas produzidas no passado, até recente, em que o governo ia confiscar bois no pasto dos pecuaristas aturdidos e revoltados.
Isso não é pouco avanço, assim como a redução generalizada de tarifas de importação do Brasil é outro avanço monumental na direção da liberdade econômica.
Mas a marca registrada da modernização do período do Real é certamente a "igualdade", para o eventual protesto dos que consideram a estabilização e a abertura de mercados um modelo de "desigualdade". Pelo contrário. Nada equalizou mais as oportunidades do que o controle da inflação. Os recentes índices de desigualdade (Gini) calculados pelo Ipea mostraram um recuo, se não significativo, pelo menos sistemático das diferenças extremas de renda no país. Os orçamentos públicos se tornaram mais confiáveis após a Lei de Responsabilidade Fiscal, o que aponta uma redução da desigualdade -embora persistente- entre os gastos crescentes do governo e os gastos contidos ou decrescentes das empresas e das famílias.
Estabilidade, liberdade e igualdade são mais necessários do que nunca para resgatar a confiança do público e dos mercados. O avanço foi corajoso, mas desequilibrado e incompleto. Não haverá estabilidade econômica a longo prazo sem metas fiscais mais audaciosas em 2003. O governo está perdendo o jogo no controle das despesas públicas, apesar dos perigosos elogios do FMI e das metas atingidas de superávit primário. É decisivo estabelecer metas de controle direto das despesas nominais, em reais. O déficit corrente do setor público precisa ter um controle predeterminado na programação do governo. A extrema dependência financeira do governo em relação aos mercados precisa ser eliminada para que caiam também as taxas de juros. A estabilidade só será estável com o estancamento da despesa pública explosiva dos dias de hoje.
A liberdade também deve ser objeto de constante aperfeiçoamento. Hoje há setores regulados que padecem de uma perspectiva de retorno inadequado. O setor de energia elétrica sofre indefinições da política do governo. Não haverá liberdade sem regras claras, estáveis e confiáveis na relação entre governo e sociedade. Por outro lado, há setores liberados convivendo com monopólios. A aviação civil, um setor competitivo, ao exagero, convive com o monopólio dos preços de combustíveis.
Porém nada é pior do que as injustiças decorrentes da desigualdade entre a mão-de-obra protegido pela CLT e os trabalhadores informais. A era FHC não conseguiu espaço para a urgente revisão da ultrapassada e injusta legislação do trabalho.
Do mesmo modo, a previdência básica, do setor privado, é desigualmente tratada em relação às esbanjadoras e perdulárias aposentadorias do setor público. Essa injustiça clamorosa ficou sem reparações. Uma reforma radical da Previdência Social brasileira se impõe na direção da capitalização das contribuições. Os pobres precisam ter o direito de acumular alguma coisa para seu próprio futuro. Não há igualdade nem no quadro tributário brasileiro, nem no previdenciário, muito menos no trabalhista.
Reforçar a estabilidade, aperfeiçoar a liberdade e buscar a igualdade é a agenda séria para o Real dar a volta por cima da próxima turbulência financeira.


Paulo Rabello de Castro, 53, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico (RJ). Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail - paulo@rcconsultores.com.br



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