São Paulo, sábado, 26 de julho de 2008

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Acordo modesto é melhor que nada, diz Celso Lafer

Para ex-ministro, falta de conclusão da Rodada Doha ameaça erodir sistema de negociações

Na opinião do professor da USP, formação do G20, com os emergentes, foi um avanço, apesar das divergências entre China, Índia e Brasil

João Sal -04.05.07 /Folha Imagem
O ex-ministro das Relações Exteriores Celso Lafer, em SP

MARCELA CAMPOS
DA REDAÇÃO

"Melhor um acordo modesto e equilibrado a nenhum acordo." A afirmação é de Celso Lafer, duas vezes ministro das Relações Exteriores, a última de 2001 a 2002, no governo FHC. Quando o tema é negociação comercial, o ex-ministro fala com conhecimento de causa: foi embaixador do Brasil junto à OMC e chefiou a delegação brasileira no lançamento da Rodada Doha, em 2001. Professor da USP, Lafer é, desde 2002, membro da Corte Permanente de Arbitragem Internacional de Haia. Leia abaixo trechos da entrevista concedida à Folha.

 

Comércio e paz
Desde o Gatt [o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, substituído pela Organização Mundial do Comércio], em 1948, pensa-se que o comércio multilateral pode contribuir para o desenvolvimento e a possibilidade de paz. Por aumentar a interdependência entre os países e reduzir o isolamento, abre espaço para a cooperação internacional. A OMC promoveu um grande avanço, ao estabelecer normas conjuntas para conter iniciativas unilaterais. Conta com um Sistema de Solução de Controvérsias, do qual o Brasil tem se valido com sucesso, desde o primeiro caso até o mais recente, do algodão. Mas a Rodada Uruguai [1986-1994] ficou aquém das expectativas de vários países, inclusive do Brasil. Até por isso, a rodada seguinte, Doha, tinha como objetivo levar adiante uma liberalização de produtos agrícolas mais intensa. Até então, não havia preocupação em levar em conta os interesses dos países em desenvolvimento.
O G20 foi uma inovação. Antes havia apenas EUA, UE, Japão e Canadá. O consenso se formava em cima e ia se permeando. O G20 introduziu uma nova etapa no processo negociador da OMC e só foi possível porque a China, com seu peso, passou a integrar a OMC, em 2001. Mas os interesses dos três grandes integrantes nem sempre são coincidentes. A Índia, forte em informática, quer mais abertura em serviços. A China, forte na indústria, quer mais acesso em bens industriais. Já o Brasil quer acesso a mercados para o setor agrícola e agroindustrial. Manter o equilíbrio no G20 é difícil e sempre importante. Como defensor da importância do multilateralismo, prefiro que se chegue a um acordo modesto e equilibrado a nenhum acordo em Doha. Há o risco de, sem uma conclusão, haver uma erosão no sistema, reduzindo sua importância, o que creio ser ruim para o Brasil e o mundo.

Globalização
A globalização traz oportunidades e riscos. China e Índia se beneficiam muito. Outros ficaram em dificuldade, como os africanos. Um dos desafios da agenda internacional é a gestão da globalização em um mundo desigual. A desigualdade não deixa de ser um dos temas de Doha. O clima mundial hoje pode favorecer ou dificultar [um acordo]. Dificultar porque dois dos interlocutores passam por momentos delicados. O final do mandato desgasta o presidente Bush e diminui a margem de manobra: um acordo pode não ser aprovado no Congresso dos Estados Unidos.
A UE tem dificuldades políticas internas, como mostra a recusa, pela Irlanda, do Tratado de Lisboa. Mas pode facilitar porque o aumento do preço dos alimentos, em grande parte, fruto da incorporação dos mercados da China e da Índia, favorece um corte nos subsídios.


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