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LUIZ GONZAGA BELLUZZO
O público e o privado na crise
Na crise aguda, os donos
de riqueza reverenciam
o caráter "social" de
sua atividade privada
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NA "TEORIA GERAL" , Keynes
tratou do caráter instável do
investimento privado, concebido por ele como uma vitória do
espírito empreendedor sobre o medo decorrente da "incerteza e da ignorância quanto ao futuro". É a tensão entre as expectativas a respeito
da evolução dos rendimentos do novo capital produtivo e o sentimento
de segurança proporcionado pelo
dinheiro que vão determinar, em cada momento, o desempenho das
economias de mercado. O destino
da sociedade é decidido na alma dos
possuidores de riqueza, onde se trava a batalha entre os espíritos animais, as forças de criação de nova riqueza e o exército comandado pelo
"amor ao dinheiro".
Em sua forma aguda, a crise impõe o colapso do investimento e do
consumo. Nesse momento, todos
-empresas e consumidores- entregam-se à busca desesperada da
redução das despesas, ou seja, dedicam-se a cortar a renda dos vizinhos. Estes, por sua, vez devolvem a
mesquinharia para os que iniciaram
a brincadeira. É o "paradoxo da poupança".
A desconfiança se generaliza entre os protagonistas do que Hayek chamava o processo de mercado. Isso faz recair sobre uma instituição social, o dinheiro, a esperança
(ou a ilusão) de preservação do valor
da riqueza privada. Os espíritos animais buscam refúgio na única forma
do enriquecimento que imaginam
não estar sujeita à contestação dos
demais. Todos querem e todos perdem. Na crise aguda, os possuidores
de riqueza reverenciam o caráter
"social" de sua atividade privada.
Assim, a sobrevivência dos nexos
mercantis, aqueles que solidarizam
os indivíduos livres mediante o intercâmbio de valores -mercadorias,
ativos e títulos representativos das
relações débito-crédito- passa a depender diretamente do Estado e de
seus dinheiros. A geração de déficits
e a criação de nova dívida pública
constroem as condições para reanimar o movimento da riqueza dos
particulares, ao sustentar os lucros
das empresas e ao preservar o valor
dos portfólios privados.
Mas, se o desequilíbrio fiscal e o
crescimento do débito público na
composição dos patrimônios privados tornarem-se fenômenos profundos e duradouros, a desconfiança dos possuidores de riqueza se
desloca da finança privada para a situação financeira do Estado. A eficácia dos instrumentos de gasto e de
endividamento do Estado está condicionada à preservação do poder
privado de acumular riqueza social.
Assim, a recuperação da confiança
na finança privada vai permitir que
os controladores do crédito readquiram força e legitimidade para avaliar
os rumos da política fiscal e de endividamento público.
Neste momento, por exemplo, os
senhores da finança -salvos pela vigorosa intervenção do Estado- já
consideram insustentáveis a trajetória do déficit fiscal e da dívida do
governo norte-americano.
Com isso, eleva-se o prêmio exigido para se
desprender da liquidez e restringem-se os mercados para contratos
de prazos mais longos, comprometendo a própria capacidade do Estado de emitir dívida nova e de administrar o estoque de endividamento
existente.
LUIZ GONZAGA BELLUZZO, 66, é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo
Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de
São Paulo (governo Quércia).
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