São Paulo, domingo, 26 de julho de 1998

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VISÃO DE FORA
Alicerces sólidos para o abastecimento de água

NANCY BIRDSALL

Nesta era de microprocessadores e exploração espacial, milhões de pessoas na América Latina e no Caribe ainda sofrem pela ausência milenar de água tratada e de saneamento básico.
Isso é o principal problema para a saúde pública da região, e só pode ser resolvido com investimentos maciços da ordem de US$ 8 bilhões a US$ 10 bilhões anuais, o que ultrapassa o total emprestado ao setor para cerca de 200 projetos ao longo dos últimos 30 anos.
Como vão tais recursos? Parece óbvio dizer que os consumidores vão pagar, em algum momento, pelos serviços que utilizam. No entanto, os governos da região vêm há décadas subsidiando as empresas provedoras de água porque as tarifas foram mantidas baixas e não acompanharam a inflação. Assim, as empresas não cobriram seus custos.
Os subsídios contribuíram para exacerbar os problemas fiscais da região e, por outro lado, as empresas de água não tiveram os recursos para estender os sistemas de abastecimento. Ironicamente, os subsídios muitas vezes beneficiaram os consumidores que mais tiveram capacidade de pagar: as empresas e os consumidores relativamente bem situados.
Conheço uma família abastada, morando num belo bairro residencial de uma metrópole sul-americana, que não consegue que a administração local mande a conta relativa ao grande volume de água consumido pela piscina nos últimos dez anos. Ao mesmo tempo, na mesma cidade, os pobres devem comprar água de caminhões-pipa pagando até 20 vezes o custo da água encanada.
Em tempo: os usuários devem pagar a conta pelos serviços, e devem pagar preços que cubram os custos. Evidentemente, os custos e as contas devem ser mantidos no nível mais baixo possível, e é aqui que o setor privado pode ajudar.
Em algumas das cidades da América Latina, os empreendimentos privados já conseguiram reduzir entre 25% e 40% as perdas causadas pelas ligações ilegais ("gambiarras").
As empresas privadas precisam de três ou quatro empregados por mil consumidores, diante dos dez ou 15 do setor público.
Os proprietários privados estão, sim, motivados a realizar a medição de consumo e fazer a cobrança.
Infelizmente, a participação do setor privado pode resultar em contas mais altas e demissões de empregados. Pode ser que as empresas resistam em investir nos bairros pobres. Mas é possível superar esses problemas. Pode haver, por exemplo, cláusulas nos contratos com as concessionárias determinando que as empresas abasteçam os bairros de baixa renda. Em alguns casos, pode haver subsídios transparentes para que esse tipo de serviço produza um retorno aceitável. Os empregados excedentes podem ser reciclados ou entrar em programas de formação para microempresários.
É verdade que essa proposta, elevando os custos de serviços e privatizando o que era tradicionalmente um encargo do setor público, pode enfrentar fortes resistências políticas. Contudo, também pode haver sucesso político, bem merecido, para aqueles que conseguirem serviços melhores e acesso socialmente mais justo.


Tradução de Thomas Nerney

Quem é
NANCY BIRDSALL
norte-americana, 52 anos, doutora em economia pela Universidade de Yale (Estados Unidos) e vice-presidente-executiva do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)




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