São Paulo, quinta-feira, 26 de setembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

A escalada do dólar

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

A tecnocracia "globalizada" que comanda a Fazenda e o Banco Central vive no mundo da lua. A escalada do dólar em 2002 é, fundamentalmente, o resultado prático de realidades que ela tanto relutou em aceitar.
País em desenvolvimento, que apresenta, enquanto tal, problemas e vulnerabilidades estruturais, o Brasil não pode seguir as regras e os modelos que os países desenvolvidos concebem (e nem sempre aplicam) à luz das suas próprias condições e prioridades. Não deve, em particular, imaginar que a sua moeda possa flutuar sem controles e precauções especiais.
A flutuação é, sem dúvida, um regime mais adequado do que o sistema de banda cambial que o Brasil adotou até o início de 1999. O governo Fernando Henrique Cardoso demorou quatro anos para chegar a essa conclusão mais ou menos óbvia. E só chegou a ela, recorde-se, depois que a banda cambial foi destroçada por um ataque especulativo de rachar quarteirão.
Desde o início, entretanto, a flutuação padeceu de deficiências graves, que não chegaram a ser inteiramente enfrentadas. O déficit do balanço de pagamentos em conta corrente continuou alto demais, a conta de capitais ficou excessivamente aberta e as reservas internacionais do país nunca alcançaram níveis satisfatórios. Em consequência, a taxa de câmbio apresentou vários períodos de alta volatilidade e o real ficou sujeito a surtos recorrentes de depreciação.
Com o passar dos anos e a repetição das crises, essas deficiências estão se tornando cada vez mais evidentes. A mais comentada é o elevado déficit do balanço de pagamentos em conta corrente. Só agora, em 2002, é que o Brasil começa, finalmente, a produzir superávits comerciais expressivos e registrar uma diminuição mais acentuada do seu desequilíbrio externo corrente. A julgar pelas tendências recentes, é perfeitamente possível que o déficit em conta corrente de 2002 represente menos da metade do déficit de US$ 33 bilhões observado em 1998, último ano calendário antes do início da flutuação.
Essa acentuada redução do desequilíbrio corrente não é, entretanto, suficiente para estabilizar a taxa de câmbio -como estamos vendo. Por quê? As explicações mais comuns, repetidas "ad nauseam" nos meios de comunicação, dão ênfase a fatores ligados à conjuntura imediata (escândalos corporativos nos EUA, aversão generalizada ao risco nos mercados financeiros internacionais, eleições no Brasil, crise na Argentina, ameaça de guerra contra o Iraque etc.).
Todos esses fatores são inegavelmente relevantes. Mas, convenhamos: esta não é a primeira vez, e nem será a última, em que o Brasil terá de se defrontar com choques externos ou turbulências políticas internas. Para além da conjuntura atual, a questão fundamental é a seguinte: por que a economia brasileira revela, há tantos anos, uma extraordinária suscetibilidade a choques?
Há vários motivos. Um dos mais importantes, e ainda insuficientemente reconhecido, é a inexistência de controles adequados sobre os movimentos de capital na economia brasileira. Se o Banco Central não se preparar para reforçar a regulamentação e os controles nessa área, será muito difícil, talvez impossível, diminuir a volatilidade do câmbio e proteger o real contra pressões especulativas.
Naturalmente, propostas desse tipo provocam grande repulsa nos meios financeiros domésticos e estrangeiros. Não é recomendável, afirma-se, interferir com a liberdade dos mercados.
Parece evidente, entretanto, que a liberdade dos fluxos financeiros não pode se sobrepor à segurança da economia no seu conjunto. Se a economia brasileira continuar submetida a recorrência de episódios de aguda instabilidade cambial, a retomada do crescimento e a geração de empregos, prometida por todos os candidatos à Presidência da República, continuará longe do nosso alcance.
Repare, leitor, que diversos países em desenvolvimento têm demonstrado uma capacidade muito maior de resistir às ondas de instabilidade internacional. Como lembrou o Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, em seu livro mais recente, "Globalization and its Discontents", "não é por acaso que os dois países em desenvolvimento de grande porte que foram poupados da destruição provocada pela crise econômica global -a Índia e a China- tinham controles de capital".
Por essas e outras razões é que eu venho repetindo há tantos anos e volto a repetir agora, pensando, é claro, no próximo governo: Pelo amor de Deus e pela Santíssima Trindade, CONTROLEM OS MOVIMENTOS DE CAPITAL!


Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela é..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net


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