São Paulo, terça-feira, 26 de outubro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Muita estrada pela frente

BENJAMIN STEINBRUCH

Um brasileiro que tivesse passado três meses sem notícias sobre o Brasil certamente encontraria dificuldades para reconhecer a economia do país. A seqüência de dados positivos deste terceiro trimestre mostra que o cenário econômico melhorou muito.
A produção da indústria cresce há seis meses, coisa inédita em dez anos. Em agosto, o crescimento foi de 13% em relação ao mesmo mês do ano passado. De janeiro a agosto, 8,8%. Como conseqüência, o mercado de trabalho no setor tem o nível mais alto desde o início do Plano Real. A taxa de desemprego geral, de 10,9%, é a mais baixa do ano, embora a oferta de postos de trabalho ainda esteja muito longe de atender à demanda.
O crescimento da indústria generaliza-se e atinge quase sem distinção os setores exportadores e os voltados para o mercado interno. Na siderurgia, um dos setores importantes, que acompanho de perto por obrigação e prazer, o volume das vendas de setembro foi 33% superior ao de setembro de 2003. As exportações, em valor, subiram 41% em nove meses.
A indústria de automóveis, outro setor industrial importante, bate recordes de produção, que deve atingir 2,1 milhões de unidades neste ano, e de exportação. De janeiro a setembro, exportou 463 mil unidades -crescimento de 16%. No Salão de São Paulo, aberto na semana passada, fabricantes comemoraram a volta do lucro nas quatro grandes montadoras neste segundo semestre, depois de seis anos de prejuízos.
O varejo espera um Natal gordo. Nos oito primeiros meses do ano, as vendas cresceram 9,45%. Em agosto, houve uma pequena inflexão na taxa de expansão, mas ela ainda foi de 7,53%.
As exportações gerais são o sucesso já conhecido. Até setembro, mesmo com o real valorizado além da conta, o superávit de mais de US$ 25 bilhões já ultrapassava o do ano passado inteiro. Produtos básicos e manufaturados sustentam o resultado. O setor de carnes, por exemplo, deve exportar US$ 6 bilhões em 2004, o dobro do valor de dois anos atrás.
Até o carente setor de turismo mostra resultados. A entrada de visitantes estrangeiros aumentou 15% de janeiro a agosto, e o movimento de embarques internos, 17%.
Por tudo isso, apesar do ingresso insuficiente de investimentos diretos estrangeiros, o superávit brasileiro em conta corrente, número que resulta do balanço de todas as transações do país com o exterior, alcança US$ 9,6 bilhões. Assim, a despeito das desconfianças ainda vindas do exterior, o país está hoje menos vulnerável a possíveis turbulências globais. A dívida externa caiu US$ 12 bilhões no primeiro semestre e ficou em US$ 203 bilhões.
Com o agito da economia e com algumas novidades tributárias perversas, como a elevação da alíquota da Cofins, a arrecadação federal também bate recordes e apresenta crescimento real (variação acima do IPCA) de quase 12% até setembro, o que dá sustentação à pretensiosa meta de superávit real de 4,5% do PIB.
O governo Lula tem seus méritos nesses resultados, porque soube passar a idéia de seriedade e adquiriu credibilidade. Mas alguns setores do governo pecam seguidamente pelo excesso de conservadorismo e isso impede o país de apresentar desempenho ainda melhor. O Banco Central, por exemplo, outra vez foi mais realista do que o rei ao aumentar os juros além do esperado pelo guloso sistema financeiro.
Apesar de todos os pontos positivos, é didático olhar para fora e comparar o desempenho brasileiro com os de outros países emergentes. A revista britânica "The Economist" é uma boa fonte para essa comparação. Seu levantamento regular revela que todos os 25 emergentes registram crescimento do PIB, a maioria com inflação baixa, superávits fiscais e redução de dívida externa.
O Brasil está longe de figurar entre os primeiros dessa lista de 25 emergentes. Rússia, China, Índia, Turquia, África do Sul e vários outros países da Ásia e da Europa central mostram mais dinamismo e disposição de buscar o crescimento econômico.
Moral da história: o país vive um bom momento, mas há muita estrada pela frente, e o Banco Central não tem o direito de continuar jogando pesado para frear a economia e reduzir a velocidade do crescimento.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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