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LUÍS NASSIF
Um projeto
temerário
A primeira coluna que escrevi sobre o tema tinha
um ângulo favorável à transposição do São Francisco: a viabilidade da oferta de água do rio.
De lá para cá, mergulhei em
uma profusão de artigos, trabalhos técnicos, ouvindo simultaneamente o ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, e
técnicos a favor do projeto,
além de outros técnicos, governadores, presidentes de autarquias contrários.
Minha conclusão pessoal é
que a soma de contra-indicações é muito forte, e o início do
projeto -sem responder a
questões relevantes da comunidade técnica e científica- é temerário.
1) O governo Lula não tem dinheiro para atividades básicas,
como o combate à aftosa, repasses para segurança e saúde.
Como irá comprometer -e garantir- R$ 4,5 bilhões (valor
estimado) em um único projeto?
2) O parecer nš 031/2005 do
Ibama -que analisa o EIA-Rima (Estudo de Impacto Ambiental - Relatório de Impacto
no Meio Ambiente) do próprio
órgão- traz alertas preocupantes, adicionais aos alertas
do Banco Mundial (em dois relatórios distintos) e da SBPC
(Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência). O aumento da água para o Nordeste
setentrional aumentará a produção de esgoto. Se não houver
investimentos significativos
(adicionais ao projeto) em saneamento, corre-se o risco de
epidemias graves, como malária, filariose, febre amarela,
dengue etc. (pág. 27).
3) A água do São Francisco,
em bruto, não é adequada para
consumo humano. Seu tratamento exigirá investimentos
adicionais.
4) Para que o modelo seja eficaz, exigirá investimentos dos
Estados em adutoras e canais
que liguem os diversos açudes
(pág. 32). Os Estados estão quebrados. O governo Lula prometeu transferir recursos federais
para alguns deles. Saindo de
onde?
5) Segundo o EIA-Rima, a região potencialmente irrigável a
ser beneficiada pela transposição é de 265.853 hectares. No
Vale do São Francisco -segundo o Comitê de Bacias-, existem 340 mil hectares irrigáveis
e um potencial de mais 800 mil
hectares, hoje não aproveitados
justamente por falta de investimentos em valor muito inferior
ao do projeto.
6) Devido às características
do solo do Nordeste setentrional, o uso da água para irrigação traz riscos sérios de desertificação, salinização e contaminação com defensivos agrícolas
e fertilizantes (págs. 23 e 35).
7) O estudo do Ibama comprova uma concentração de
propriedade fundiária. A desapropriação de apenas 2,5 km
dos dois lados do canal não se
configura um plano de colonização.
Até agora, alegou-se que o
primeiro relatório do Bird
(condenando o projeto) foi feito
por técnicos pouco familiarizados com o Brasil; o segundo foi
comandado por técnico ligado
à Bahia (contra o projeto); o da
SBPC foi conduzido por Estados contrários ao projeto. Agora, há o parecer do Ibama e pareceres contrários de grandes
geógrafos, como Aziz Ab'Sáber.
Não dá para atropelar tantos
estudos assim e passar por cima
de um dado óbvio da realidade:
o Estado brasileiro não tem recursos nem para atender suas
obrigações constitucionais.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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