São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2008

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Gasto com dívida segura investimentos

Para consultoria Economática, metade das empresas corre risco de registrar prejuízo por causa das despesas financeiras

Previsão ainda não leva em conta as perdas nas operações de derivativos que empresas estão tendo após a disparada do dólar


TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL

As empresas brasileiras com ações em Bolsa devem destinar cerca de 70% de seus ganhos para cobrir despesas financeiras com juros e variação cambial no terceiro trimestre deste ano, segundo projeção da consultoria Economática.
Isso significa que essas empresas terão menos dinheiro e propensão para investir nos próximos meses. Tenderão a cortar custos e despesas, comprometendo ainda mais o crescimento da economia.
No estudo, a consultoria percebeu uma relação bastante estreita da evolução das despesas financeiras das empresas abertas com a variação do dólar pela Ptax, a média do Banco Central para ajuste de contratos na BM&F (Bolsa de Mercadorias & Futuros). O grosso das despesas financeiras refere-se ao pagamento de juros das dívidas, deduzindo a variação cambial e eventuais saldos com aplicações financeiras.
Com a alta de 20% da moeda americana no terceiro trimestre, a expectativa é que as despesas com juros e câmbio batam facilmente em R$ 17,067 bilhões, montante que deve consumir 71% do lucro operacional (da ordem de R$ 24 bilhões) das empresas abertas. O lucro operacional é o ganho obtido na atividade-fim da empresa, antes do pagamento de tributos, juros e dos dividendos aos acionistas.
"Se essa previsão se confirmar, vai ser um desastre. Para metade das empresas, o pagamento das despesas financeiras vai levar ao prejuízo. Teremos uma maré vermelha nos balanços do terceiro trimestre. E não falamos até agora do avanço das aventuras com derivativos. Nossas projeções foram feitas com base nos últimos trimestres, quando essas aventuras ainda eram menores", disse Fernando Exel, presidente da Economática, que já vê essa tendência nos primeiros balanços divulgados.
A Economática analisou dados de 241 empresas, excluindo Vale e Petrobras, nos últimos nove trimestres. Também considerou que as empresas mantenham o mesmo comportamento de rolagem de dívida e de exposição cambial.
O comportamento do câmbio, que, com o fortalecimento do real, reduzia o custo da dívida das empresas, chegando até a zerá-lo no ano passado, agora tem efeito contrário, turbinando o endividamento.
No segundo trimestre de 2007, quando o dólar desabou 6,06%, as empresas pesquisadas tiveram ganho financeiro -entenda-se com o câmbio- de R$ 5,551 bilhões, capaz de praticamente zerar as despesas de R$ 5,577 bilhões, a maior parte com juros.
No segundo trimestre deste ano, os ganhos com câmbio foram mais do que suficientes para pagar juros da dívida e ainda sobrou R$ 1,643 bilhão -no caso, tiveram despesa financeira líquida negativa- para compor o lucro dessas empresas. Agora, a situação se inverteu.
"As empresas estão acostumadas com resultado financeiro menor do que o gasto com os juros. Tinha o pagamento do juro, mas havia um alívio pelo câmbio, que era cadente. Em junho, houve ganho. De repente, elas vão se deparar com uma despesa de R$ 17 bilhões. O lucro operacional inteiro vai para o ralo. Não vai sobrar nada para o governo nem para o acionista. Não é o fim do mundo, mas é um trimestre inteiro perdido", disse Exel.

Incertezas
O comprometimento do caixa das empresas com essas despesas agrava ainda mais o quadro de grandes incertezas e baixa confiança dos empresários por causa da crise econômica.
"Essa incerteza em relação às perdas cambiais das empresas será um suspense até a divulgação de todos os balanços do terceiro trimestre, em meados de novembro. A incerteza é tão grande que nem os US$ 50 bilhões do governo [para evitar a disparada do dólar] mudou o cenário do câmbio no curto prazo. Vai continuar preocupante, vai afetar a inflação e, no limite, vai fazer com que a Selic [taxa básica de juros] fique mais tempo elevada, por conta dos riscos inflacionários. Já a certeza em relação à atividade mais fraca existe e é concreta", disse Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Para Exel, a situação só não é mais preocupante porque a maioria das empresas prejudicadas pelo endividamento em moeda estrangeira terá mais receitas com as exportações.
"O impacto [cambial] que vai ter nas receitas das empresas é outra história. Se o dólar estacionar aí, as receitas também serão maiores. Insolvência total não teremos. Ninguém vai ter problema de caixa por causa da variação cambial na dívida. Isso é administrado, aconteceu em 1999 e em 2002. Agora, se o dólar cair, isso tudo se reverte. Nesse caso, vai aparecer, de novo, um superganho financeiro", disse Exel.
Segundo Fabio da Paz, especialista em câmbio do Ibmec-SP, as empresas com receita em dólar foram as que mais se endividaram em moeda estrangeira, e agora devem se beneficiar com o dólar valorizado. "Ninguém esperava essa variação em tão pouco tempo. Mas, quando o dólar se valoriza, é favorável também para melhorar as exportações. Só que o mundo fala em recessão [nos Estados Unidos e na Europa] e a expectativa de faturamento dos exportadores está sendo revisada para baixo", disse.


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