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Califórnia antecipa a recessão nos EUA
No Estado em que a crise começou, desemprego atinge quase 8% e sobe a 11% nas áreas mais afetadas pelo estouro da bolha imobiliária
80 mil famílias perderam
suas casas nos últimos três
meses, um aumento de
230% em relação a igual
período do ano passado
FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL À CALIFÓRNIA
Há um ano, a imigrante filipina Alona Llavori estava comprando duas casas financiadas
no valor total de US$ 807 mil
em Stockton, cidade-dormitório nos arredores de São Francisco, na Califórnia. Morava em
uma, de US$ 450 mil, e alugava
a outra, avaliada na época em
US$ 357 mil.
Agora, Llavori mora de aluguel. Perdeu os dois imóveis
por falta de pagamento das
prestações. Seu pequeno negócio, de seguros residenciais, foi
afetado em cheio pelo estouro
da "bolha imobiliária", obrigando-a a entregar os imóveis
ao banco. As duas prestações
juntas somavam US$ 4.400 ao
mês. Hoje, luta para bancar um
aluguel de US$ 1.500.
Além de perder suas duas casas e morar de aluguel, Llavori
agora corre o risco de ter de se
mudar de novo. Assim como
ela, o proprietário da casa que
ela aluga tem dois imóveis,
também financiados (um para
morar, outro para alugar). Ele
também está inadimplente.
"Em 22 anos nos EUA, nunca
estivemos tão mal. Perdemos
tudo, até os US$ 100 mil da entrada dos imóveis. Tentamos
renegociar, mas os bancos não
quiseram conversa", diz Llavori. Ela ainda toca o negócio de
seguros, bastante em baixa no
momento, com o marido, com
quem tem três filhos.
Stockton, a 120 km de São
Francisco, está cheia de histórias assim. A cidade, de 280 mil
habitantes, viveu o maior boom
imobiliário da Califórnia e é
considerada nos EUA como o
"marco zero" da atual crise financeira global.
Em última análise, é por causa de pessoas como Llavori
(além do banco que a financiou) que o mundo está sofrendo a sua maior crise financeira
em quase 80 anos. As dívidas
dessas pessoas foram transformadas em garantias para bilhões de dólares em títulos renegociados ao redor do mundo.
Quando se descobriu que Llavori e outros não tinham como
pagar, toda a cadeia ruiu.
Laboratório da crise
A Califórnia foi o primeiro
Estado a viver um boom de preços dos imóveis, quando milhares de pessoas obtiveram crédito para comprar casas. Foi também o primeiro Estado onde a
bolha explodiu. O Estado é considerado um "laboratório" do
que está por vir no resto dos
EUA, que sofreu o mesmo
boom quase um ano depois. Se
de fato a Califórnia serve de parâmetro para o futuro, ele não é
nada animador.
A Califórnia tem hoje uma
das mais altas taxas de desemprego nos EUA: 7,7% (a maior
em 12 anos), contra 6,1% na
média nacional. Em cidades como Stockton e outras que viveram mais intensamente o
boom e o "bust" (estouro) da
bolha, o desemprego já roça os
11%. Nos últimos três meses,
cerca de 80 mil famílias perderam suas casas, alta de 230%
em relação a igual período de
2007. "Aparentemente, as coisas primeiro vão piorar antes
de começarem a melhorar", diz
Stephen Levy, diretor do Centro de Estudos Continuados da
Economia da Califórnia.
Embora tenha havido uma
reação no volume de negócios
imobiliários no Estado, os preços das casas ainda estão cerca
de 40% abaixo dos de 2007.
Já a economia como um todo
está em visível desaceleração.
Na principal rua de São Francisco, a sofisticada Market
Street, há dezenas de liquidações com até 75% de desconto e
inúmeras lojas fechadas para
alugar. O maior shopping local,
o Westfield, estava quase completamente vazio na hora do almoço da quarta passada e oferecia o sorteio de um Jaguar de
R$ 120 mil para atrair clientes.
Nas previsões do Departamento de Economia da UCLA
(Universidade da Califórnia em
Los Angeles), o Estado não deve crescer nem no atual trimestre nem no primeiro de 2009.
O PIB (Produto Interno Bruto) da Califórnia corresponde a
15% do total nacional e equivale a uma vez e meia o do Brasil.
Mas, a partir de 2007, pela primeira vez em vários anos, o comércio passou a vender menos.
E o governo, a arrecadar cada
vez menos impostos, principalmente de taxas relacionadas a
valores de imóveis.
Em caráter emergencial, o
governador do Estado, o ator de
Hollywood Arnold Schwarzenegger, foi obrigado a emitir
US$ 5 bilhões em bônus há
duas semanas para fechar as
contas. Para sua sorte, a emissão foi realizada em uma semana de pânico nas Bolsas americanas, fato que levou muitos investidores a se refugiar em papéis públicos, como títulos estaduais e do Tesouro dos EUA.
Alem das 221 mil pessoas demitidas no setor de construção
nos dois últimos anos, trabalhadores de áreas como serviços, administração e alta tecnologia começam agora a perder
os seus empregos.
Na semana passada, por
exemplo, a Yahoo, sediada em
Santa Clara, no Silicon Valley,
anunciou o corte de 1.500 pessoas, ou cerca de 10% do total.
Mas o setor financeiro é de
longe até aqui o que mais causa
estragos, por figurar entre os
mais bem remunerados no
país. Nos últimos dois anos,
houve uma diminuição de 6,9%
no total de vagas nessa área na
Califórnia. No resto do país, o
corte foi de apenas 1,5%. Por
enquanto.
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