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São Paulo, sexta-feira, 26 de dezembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Mais um ano juntos!

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Minha primeira coluna na Folha foi escrita em 1979. O Brasil começava a viver os ventos doces da democracia e eu e um grupo de colegas e amigos da época da universidade, percebemos que era chegado o momento de voltarmos à política e ao debate público. A oportunidade que o dr. Otavio Frias me dava -aconselhado pelo José Serra, que estava deixando o quadro de colunistas de seu jornal- abriu para mim o caminho do debate econômico.
Minhas primeiras colunas -que eu reli com cuidado algum tempo atrás- refletiam uma grande dose de imaturidade profissional e carregavam um estilo áspero e de difícil leitura. Mas mostravam já uma certa irritação com uma leitura dogmática que já se fazia à época da economia no Brasil. Vivíamos tempos em que o oficialismo econômico era representado pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro. Mario Simonsen ainda era o czar da economia -não o seria por muito tempo- e preparava um ajuste ortodoxo para enfrentar uma inflação que se aproximava dos 100% ao ano e um desequilíbrio grande de nossa conta corrente externa.
Muita água passou debaixo da ponte do tempo nesses 24 anos que separam aqueles dias do encerramento deste curioso ano de 2003. Amadureci com uma vida profissional e política bem vivida, fui oposição e situação, pedra e vidraça, crítico e criticado, ganhei e perdi e é com esses olhos que escrevo esta minha última coluna do ano.
Neste longo período de tempo, estive mais na oposição do que na situação quando se trata de análise da política econômica dos governos de plantão. Essa vocação oposicionista não derivou da herança genética do monsenhor Mendonça, meu tio-avô e que ficou conhecido no sul de Minas Gerais pelo seu mau humor com os poderosos. Pelo contrário, predominam em minha personalidade os traços doces de minha mãe.
Esse viés para o contraditório nasceu de minha forma particular de entender o fenômeno econômico e da gestão da política econômica. Não cheguei ao liberalismo pelo caminho da ideologia, mas pelo do pragmatismo. Antes de áulico do capitalismo clássico e neoclássico, fui um crítico construtivo da chamada economia de mercado. Sempre vi esse caminho como um "second best solution", ficando minha primeira escolha utópica com o socialismo do inicio do século passado.
Cheguei a essa minha visão, hoje definitiva, não como uma decisão pontual e terminada, mas por um processo de amadurecimento longo das idéias de Keynes. Mas tive também a felicidade, ou mérito, de nunca ser um keynesiano ortodoxo. Aprendi com ele que as economias evoluem com as sociedades e, portanto, com o tempo e a tecnologia, o que obriga o economista a ser um homem da modernidade e da realidade. Aprendi neste processo a separar a teoria econômica da política econômica. A primeira é necessariamente construída a partir de um entendimento abstrato do fenômeno econômico; a segunda depende, a cada momento, das condições objetivas de uma sociedade, de seu tempo e de suas lideranças.
Essa opção leva a caminhos mais difíceis, pois obriga o analista a um esforço extraordinário de acompanhamento e compreensão do tempo e do lugar em que ele exerce sua atividade. Com isso, joga-se fora um dos instrumentos mais eficientes da análise econômica, que é a repetição de ciclos e comportamentos de mercado. Feliz o economista que acredita em seu modelo teórico, tirado de livros textos de qualidade, e que pode ser aplicado com frequência para explicar o futuro de uma determinada economia. Ele será reconhecido pela opinião pública na maior parte do tempo e julgado com parcimônia em seus erros.
Mas não me arrependo do caminho que trilhei. Embora carregue comigo derrotas frequentes na proposição de caminhos e alternativas, vivo com a doce sensação de que, se tivesse sido ouvido em determinados momentos, os eventos econômicos e sociais teriam acontecido de forma mais eficiente. Principalmente quando estive no governo, em 1985 e 1996. Quando em minha atividade profissional tive o poder de decidir e escolher os caminhos que me pareciam os mais corretos, os resultados foram mais que satisfatórios; não posso reclamar!
Neste nosso último encontro do ano, achei que deveria abrir um pouco minha alma para os leitores da Folha. Parece-me importante que aqueles que me acompanham semanalmente nessa tarefa árdua de refletir sobre economia e finanças conheçam meu processo de análise e pensamento. Um feliz ano a todos.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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