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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Pierre Bourdieu desmontou a cultura da globalização
GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA
Qual a semelhança entre o
dinheiro e os corpos?
Perguntas desse tipo, em que a
fronteira entre a economia e o
"resto" da realidade fica imprecisa e fluida, marcaram a obra
de Pierre Bourdieu, sociólogo
francês morto na semana passada que criticava com vigor a globalização e o neoliberalismo.
Perguntas como essa (moeda
e corpo) frequentaram o pensamento de muitos outros franceses importantes, de Georges Bataille a Michel Foucault.
A pergunta não é apenas francesa. Outros pensadores, como
George Simmel e John M. Keynes, viram o que estava "por
trás" do dinheiro. Keynes via no
respeito ao padrão-ouro (avô de
modelos como o que acaba de
ruir na Argentina) uma patologia cultural e psicológica.
Para Bourdieu (e para o inglês
Keynes), a semelhança entre o
dinheiro e os corpos está na violência implícita dos códigos que
são usados para discipliná-los
(dinheiro e pessoas).
Bourdieu tratou da "violência
simbólica", economistas como
Michel Aglietta tratam da "violência da moeda". Note-se a violência na crise de modelos ultraliberais, como o do peso-dólar.
A mais cruel camuflagem para
a violência dos códigos é o hábito. Não é à toa que o pensamento econômico mais conservador
é um amante do "respeito às regras", ou seja, a contratos que
regem direitos de propriedade.
A França foi também o berço
de um Proudhon, para quem a
propriedade é um ato de violência (roubo). Na semana passada,
o "The Wall Street Journal"
usou o termo "roubo" para classificar a ruptura argentina com
as regras do padrão peso-dólar.
No século passado, na City
londrina, o refrão era o mesmo
-pregavam o respeito às "rules
of the game" (regras do jogo).
Mas quem é o juiz?
Em quais campos e momentos
é possível romper com o hábito,
mudar (em certas utopias, fazer
a revolução pessoal ou social)?
Os meios de controle social
definem a emancipação possível
tanto para o indivíduo quanto
para os grupos e classes sociais.
Mas eles não estão neste ou
naquele órgão, no Banco Central ou no Ministério da Educação. Difusos em muitas práticas,
esses meios de controle formam
sistemas de gestão da informação e do conhecimento (como
as escolas), mídias (como os jornais, a televisão e a internet),
práticas culturais e ideologias.
Há manipulação da violência
visível e promoção de formas de
participação e inclusão social
que só reforçam a disciplina e a
opressão (a ordem vigente).
No entanto o pensamento de
Bourdieu, anticapitalista e revolucionário (do casamento à política econômica), também funciona muito bem para o "outro
lado". No capitalismo sobrevive,
hoje, quem criar novos hábitos,
novas práticas de organização
empresarial, novas tecnologias e
conhecimentos. Na empresa é
preciso escapar, para o bem do
sistema, de sua própria violência
rotineira e opressiva.
A empresa competitiva aprende o tempo todo, tem funcionários empreendedores, inovadores, líderes capazes de questionar a direção e, assim, gerar lucros em mercados instáveis.
É preciso romper regras, inclusive na gestão dos corpos
(um dia para a roupa casual no
banco, maior presença de mulheres e negros nas equipes ou
inovações nos escritórios e oficinas em favor da criatividade).
A herança de 68, ora como
fonte de mais energia contra o
establishment, ora como guia
para a mudança social sob um
"mínimo" de ordem, aparece
em toda a obra de Bourdieu.
Suas idéias sobrevivem e funcionam à esquerda e à direita, traço
que talvez garanta seu lugar como pensador universal.
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