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AÇÃO AFIRMATIVA
Ciepeghepe busca inserir no mercado empreendedores de origem africana, indígena e deficientes físicos
Entidade une "empresa étnica" a grandes corporações
LÁSZLÓ VARGA
DA REPORTAGEM LOCAL
Viver em um país como o Brasil,
onde o racismo é velado, não é nada fácil para um negro ou índio.
Montar uma empresa, então, gera
muitas vezes desconfianças e barreiras invisíveis, que chegam a
impedir a realização de negócios.
O empresário Cesar Nascimento,
48, proprietário da consultoria
On Controller, sofreu diversas vezes essa experiência. Chegou a ter
um encontro desmarcado com o
diretor financeiro de uma grande
companhia de alimentos, quando
esse percebeu que ele era negro.
Foi para enfrentar o racismo e
promover o intercâmbio entre
grandes empresas e empreendedores de origens africana, indígena ou deficientes físicos que Nascimento fundou o Centro de Integração Empresarial para Etnias e
Grupos Historicamente Excluídos do Progresso Econômico
(Ciepeghepe). A sigla não favorece muito a divulgação da causa,
mas Nascimento tem conseguido
resultados. Obteve o suporte técnico da entidade norte-americana
NMSDC e vem conquistando a
simpatia de filiais de multinacionais norte-americanas.
Na entrevista abaixo, Nascimento, que é membro do conselho da Ciepeghepe, explica como
pretende conquistar também as
grandes empresas brasileiras e
ampliar o número de participantes da entidade, que hoje é de apenas cem. Nos EUA, só a NMSDC
possui 15 mil filiados.
Folha - Quais são as metas do Ciepeghepe?
Cesar Nascimento - Facilitar os
negócios de grandes companhias
com empresas de pessoas tradicionalmente excluídas, como
afro-brasileiros, índios e deficientes físicos. A idéia nasceu de uma
série de conversas que tive com
empresários afro-brasileiros em
meados dos anos 90 sobre as dificuldades que enfrentávamos em
fechar contratos com algumas
empresas.
Folha - Que tipo de dificuldades?
Nascimento - Geralmente são
barreiras invisíveis. Você sabe que
está sendo discriminado, mas não
tem como provar. Uma vez, por
exemplo, me apresentei em uma
grande empresa de óleos comestíveis para oferecer o serviço de
consultoria contábil e financeira
da minha empresa. Marquei data
e horário. Quando cheguei, me
deixaram esperando na sala de visitas. Percebi que surgiu um burburinho no escritório. Em determinado momento, o chefe do departamento financeiro passou
por mim duas vezes, a fim de fazer
uma checagem visual discreta.
Logo depois fui informado de que
o encontro com o executivo não
aconteceria e acabei conversando
com um subalterno, na sala de visitas mesmo.
Folha - Como é possível eliminar
essa barreira invisível?
Nascimento - Estimulando o
contato entre as empresas. O Ciepeghepe foi criado em 1999, mas
foi em 2001 que estabelecemos
nossas diretrizes. Adotamos um
modelo inspirado na entidade
norte-americana National Minority Supplier Development Council [NMSDC". Esse órgão intermedeia negócios de minorias étnicas no Estados Unidos. Naquele
país, o governo determinou que
grandes corporações devem
manter negócios com empresários de minorias étnicas. Não existe um percentual estabelecido,
mas há essa determinação. As
companhias que adotam o esquema ganham um certificado, e
muitos consumidores não compram mais produtos de empresas
que não participam dessa política.
Folha - Acontece que no Brasil
não existe essa exigência...
Nascimento - Justamente. E também os afro-brasileiros não são
minorias. Pelo contrário. Ao lado
dos pardos, representam cerca de
47% da população. Mas existe racismo, e, para superar as barreiras
que os empresários afro-brasileiros e indígenas enfrentam, decidimos aproveitar o próprio exemplo dos norte-americanos. Atuamos em multinacionais dos Estados Unidos que tenham filiais no
Brasil e que estejam dispostas a
contratar empresas de pessoas
tradicionalmente excluídas. A
vantagem que as multinacionais
ganham é que isso contribui para
que recebam o certificado do governo norte-americano.
Um dos primeiros casos que já
conseguimos intermediar é o da
agência de viagens Allmar Turismo, que está prestando serviços
de viagens para executivos para a
Xerox. Outras multinacionais, como Du Pont, Honda, Lucent, Kodak, HP e Delta Air Lines, estão
envolvidas no projeto. Aliás, são
elas mesmas que financiam o Ciepeghepe.
Folha - Como assim?
Nascimento - Elas pagam os custos de manutenção da entidade,
além dos fóruns anuais que promovemos. Elas fazem isso porque
têm interesse em descobrir empresas de qualidade de empresários afro-brasileiros, índios ou deficientes físicos. A NMSDC, nos
Estados Unidos, trabalha da mesma maneira. A diferença é que essa entidade norte-americana existe há 30 anos, e já existem 2,8 milhões de empresas de minorias étnicas nos Estados Unidos, que faturaram cerca de US$ 335 bilhões
em 1997. No Brasil, temos atualmente só cem empresas ligadas ao
Ciepeghepe. A meta é chegarmos
a 300 até o final de 2002.
Folha - Como o Ciepeghepe quer
conquistar as grandes companhias
brasileiras?
Nascimento - Hoje já temos o
apoio de multinacionais. Acreditamos que a médio e longo prazos
o mercado vai pressionar as empresas brasileiras a trabalhar com
companhias de empresários tradicionalmente excluídos. As primeiras pressões devem vir do exterior, de importadores engajados
na política norte-americana.
Folha - O sr. é a favor da criação
de um certificado brasileiro?
Nascimento - Temos trabalhado
para isso, mantendo contatos
com parlamentares. Existem também esforços para que o governo
federal e os estaduais garantam
nas licitações públicas a participação de companhias de empresários tradicionalmente excluídos.
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), tem se
mostrado muito favorável à idéia.
Não estamos falando de paternalismo, mas de uma maneira de garantir que os grupos tradicionalmente excluídos tenham chances
de participar de serviços públicos.
Caso haja empate entre os orçamentos apresentados por uma
empresa que se inclui no perfil do
Ciepeghepe e de outra, aí, sim, o
critério de beneficiar o membro
de um grupo tradicionalmente
excluído seria levado em conta.
Folha - O sr. defende cotas para
afro-brasileiros ou índios nas universidades?
Nascimento - Não me agrada essa idéia. Isso é paternalismo, mas
talvez sirva como transição para
que haja pleno acesso à universidade no Brasil. E assim surjam
mais empresários afro-brasileiros
e índios.
Folha - O sr. veio de uma família
pobre?
Nascimento - Sim, bastante pobre, do bairro da Casa Verde [zona norte de São Paulo". Meu pai
era motorista de ônibus, e minha
mãe tinha uma banca de jornal.
Desde pequeno ajudei na banca,
enquanto estudava na escola pública. Para entrar na faculdade,
economizei, tive de atrasar algumas mensalidades, mas consegui
me formar em ciências contábeis
na PUC-SP e depois na FGV-SP.
Trabalhei na consultoria Artur
Andersen, na Cosipa, na Promon
Engenharia, na agência J. W.
Thompson e na Microsoft. Depois, montei meu negócio.
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