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São Paulo, quinta-feira, 27 de março de 2003

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COMÉRCIO MUNDIAL

Estudo diz que esquemas de promoção podem ser justificados sob o argumento de eficiência econômica

OMC defende políticas para favorecer as exportações

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Criar políticas favoráveis à exportação não é pecado, mesmo aos olhos da ortodoxia. Ao contrário, pode ser uma necessidade vital para que países em desenvolvimento consigam se adaptar à liberalização comercial.
A avaliação não é de nenhum setor de esquerda ou "desenvolvimentista", como se usa no jargão brasileiro. Consta de estudo da OMC (Organização Mundial do Comércio), bastião da ortodoxia e do liberalismo comercial.
Assinam a recomendação Marc Bacchetta e Marion Jansen, da Divisão de Desenvolvimento e Pesquisa Econômica da instituição, no trabalho "Ajustando-se à Liberalização Comercial".
O texto será divulgado no fim do mês, mas a Folha obteve antecipadamente uma cópia.
O argumento dos dois peritos da OMC, para defender políticas de apoio à exportação, é o de que um ajuste efetivo à liberalização é facilitado pelo crescimento das exportações. "Se a expansão das exportações ocorre muito lentamente ou não se materializa, o processo de liberalização tende a ser seriamente prejudicado", avaliam os especialistas.
Por isso mesmo, "esquemas de promoção de exportações podem ser defendidos com base em argumentos de eficiência econômica".
É importante lembrar que alguns tipos de apoio à exportação são vetados pelas regras da OMC. O Brasil, por exemplo, teve que modificar mais de uma vez os subsídios que concede à Embraer.
O estudo é um óbvio elogio à liberalização comercial. Mas deixa claro que, por mais benéfica que seja, a liberalização comercial também tem custos.
Os técnicos da OMC citam o exemplo do Canadá, que, nos cinco anos após o acordo de livre comércio com os EUA, viu desaparecer 390,6 mil postos de trabalho nos setores de "tradables" (comercializados com o exterior).
Ou o exemplo de Moçambique, que, ao liberalizar o comércio de castanha de caju, jogou no desemprego 8.500 dos 10 mil trabalhadores no processamento da castanha.
Exatamente por causa de tais custos, o estudo sugere algumas medidas (ver quadro acima) para diminuir a dor causada pelo inevitável ajuste à abertura comercial, a partir do pressuposto de que "os custos do ajuste são tipicamente inferiores, às vezes muito inferiores, aos ganhos com o comércio".

Processo penoso
É claro que o estudo não leva em conta países em particular, mas há anotações que servem perfeitamente para ilustrar as cautelas que o Brasil deve adotar nas negociações comerciais em que está envolvido e as dificuldades para abrir mais sua economia.
Exemplos:
1 - "As perdas [com a liberalização] podem ser substanciais para certos trabalhadores e companhias", em especial, como é óbvio, nos setores que competem com as importações liberadas.
Nesse caso, o estudo recomenda "poupança privada ou redes de proteção social, para ajudar os trabalhadores afetados a atravessar períodos de renda negativa".
Os Estados Unidos, lembra o estudo, têm tal mecanismo. Mas, como não trata de países específicos, o trabalho dos técnicos da OMC não informa como um país sem recursos para investimentos de qualquer espécie, caso do Brasil no momento, pode criar "redes de proteção social".
2 - O trabalho enfatiza a importância para o processo de ajuste de "mercados de crédito e de trabalho que funcionem bem". Observa que "trabalhadores deslocados [pela liberalização de importações] podem ser ajudados se tiverem fundos para resistir a períodos de renda baixa ou zero".
De novo, é um problema para o Brasil, país em que os trabalhadores de modo geral já têm baixa renda e imensa dificuldade para se financiarem mesmo em circunstâncias normais.
Também as empresas "podem ser obrigadas a fazer investimentos significativos, para se ajustarem. Em ambos os casos, mercados de crédito desempenham papel importante na facilitação do ajuste, e muitos países em desenvolvimento tendem a ficar em desvantagem a esse respeito".
É obviamente o caso do Brasil, em que os mercados de crédito já não funcionam a contento hoje. Se a demanda por crédito acessível aumentar, para enfrentar o ajuste derivado da competição com importações, não haverá empresa capaz de resistir ao choque.
3 - "A qualidade da infra-estrutura de um país também influencia o processo de ajuste", diz o estudo.
De novo, o Brasil, cuja infra-estrutura é deficitária em incontáveis aspectos, sofreria com a concorrência nascida de uma abertura comercial.
O texto dos técnicos da OMC reforça também o argumento de muitos negociadores brasileiros no sentido de que o país precisa de mais tempo de adaptação à abertura comercial, por ser comparativamente mais pobre e atrasado do que, por exemplo, União Européia e Estados Unidos.


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