São Paulo, quinta-feira, 27 de maio de 2004

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INTEGRAÇÃO

Roberto Abdenur, em Washington, afirma que imagem de atrito com os EUA é "exagerada" e que não visa acordo "light"

Brasil quer Alca ambiciosa, diz embaixador

FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON

O novo embaixador do Brasil em Washington, o diplomata de carreira Roberto Abdenur, 62, afirma que o Brasil, visto por alguns como defensor de uma Alca "light", está na verdade entre os países mais ambiciosos na negociação de acesso a mercados.
"Não é verdadeira a afirmação de certos setores aqui nos EUA de que o Brasil favoreça uma Alca "light". Ao contrário, estamos dispostos a nos engajar em uma ampla negociação de acesso a mercado", disse em entrevista exclusiva à Folha, em Washington.
Sobre o cronograma inicial para que a negociação da Alca seja concluída até janeiro de 2005, Abdenur afirmou: "Não excluo a possibilidade de que haja uma ampliação do cronograma".
Para Abdenur, as relações entre o Brasil e os EUA são "fundamentalmente boas". "Existe uma imagem de atrito entre os dois países que é exagerada", disse.
Sobre o episódio da tentativa de expulsão do Brasil do jornalista Larry Rohter, do "New York Times", Abdenur é seco: "Foi um episódio de mau jornalismo, que já está encerrado", diz.
Antes de ocupar a vaga em Washington, Abdenur foi embaixador no Equador, na China, na Alemanha e na Áustria.
No momento, organiza um seminário brasileiro para investidores americanos, mexicanos e canadenses que ocorrerá no próximo dia 23 de junho, em Nova York, com a presença de Lula.
 

Folha - As autoridades americanas sempre dizem querer uma Alca mais ambiciosa do que o Brasil e que o modelo de acordos comerciais deveria ser o mesmo vigente entre EUA e Chile. Vamos avançar?
Roberto Abdenur -
O que as autoridades americanas têm feito é apresentar a posição americana. E é uma colocação americana, que de resto não é correta, dizer que se teria agora uma Alca menos ambiciosa ou Alca "light". A Alca é, essencialmente, uma negociação de acesso a mercado.
Os americanos, mais cedo no processo, nutriram a esperança de conseguir na Alca, em paralelo ou antes das negociações de acesso a mercado, conjunto de disciplinas e normas que fosse além do quadro normativo aceito na Organização Mundial do Comércio.
Eles queriam colocar na Alca regras e normas para investimentos, serviços, propriedade intelectual e compras governamentais de teor mais rígido do que as da OMC. Ao mesmo tempo, os EUA se recusavam a discutir na Alca dois pontos fundamentais para o Brasil e o Mercosul: a legislação antidumping, que é abusiva, e os subsídios agrícolas. Falar de Alca ambiciosa é uma colocação americana que descreve essa aspiração inicialmente contemplada pelos americanos e que, para nós, não era aceitável.
Um país como o Brasil, com uma base industrial muito forte, com problemas muito sérios, precisa de mais flexibilidade para enfrentar seus problemas. O Brasil não pode aceitar normas que outros países, de configurações e dimensões muito menores, podem aceitar tranqüilamente.

Folha - Mas os EUA insistem em que só terão maior acesso a seu mercado países que aceitarem maiores obrigações, como as regras que o Brasil está recusando.
Abdenur
- Os EUA já reconheceram que uma Alca com normas e disciplinas rígidas não é possível e aceitaram um compromisso segundo o qual vamos ter um conjunto comum de direitos e obrigações aplicáveis a todos, abrindo-se a grupos menores a possibilidade de ir além [...] Isso ainda poderá levar a uma Alca bastante ambiciosa. Uma negociação como a Alca é processo necessariamente complexo e desgastante. Mas o grande prêmio para os americanos será o Brasil e o Mercosul. Os EUA terminarão por reconhecer que não é possível ter uma negociação na base de um modelo igual para todos. O Brasil é maior e mais complexo do que a maioria dos países latinos.

Folha - O sr. acha o prazo de janeiro de 2005 ainda factível para a conclusão do processo?
Abdenur -
Estamos correndo contra o relógio. Não excluo a possibilidade de que haja ampliação desse cronograma. Não desejamos isso, mas o importante nessas negociações é, mais do que o cronograma, o resultado final.

Folha - No meio tempo, os EUA estão avançando rapidamente no processo de "comer o Brasil pelas bordas", com vários acordos com quase todos os países da região, com exceção do Mercosul.
Abdenur -
Nós também estamos negociando com esses países e queremos expandir o Mercosul na América do Sul. A estratégia americana não nos assusta, e não perdemos de vista que o interesse dos EUA pelo mercado brasileiro é muito grande, como, de resto, é muito grande o nosso interesse pelo mercado americano.
O Brasil precisa aumentar suas vendas aos EUA. Há duas décadas, o Brasil exportava para os EUA cerca de US$ 8 bilhões, e a China, menos de U$ 4 bilhões. Hoje, o Brasil vende apenas US$ 16 bilhões aos americanos, e os chineses, US$ 150 bilhões. Os EUA importam todos os anos US$ 1,3 trilhão. O Brasil vende 1% do que os EUA importam. É lamentável. A China está vendendo 10%. Nesse sentido, uma Alca bem negociada pode ser boa, desde que efetivamente garanta acesso a mercados.

Folha - O que é melhor para o Brasil: Kerry ou Bush?
Abdenur -
Não tenho como responder, mas não devemos ignorar uma série de coisas positivas na atual relação Brasil-EUA, inclusive coisas realizadas neste governo Bush. Os dois presidentes [Bush e Lula] se entendem muito bem. Existe uma imagem pública de desentendimento entre os dois países que é exagerada.

Folha - Como o caso Lula-"NYT" afeta a imagem do Brasil? Apesar de ter sido resolvido sem a expulsão, o assunto levou até o Departamento de Estado a se pronunciar negativamente sobre o Brasil.
Abdenur -
Foi um episódio de mau jornalismo, que já está encerrado. O governo já se pronunciou e nada tenho a acrescentar.


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