São Paulo, quinta-feira, 27 de maio de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DIAS DE TENSÃO

Economista diz que país já esteve várias vezes "à beira do precipício" e que precisa de mais investimentos

Brasil corre "muito risco", afirma Krugman

DARCY A. CROWE
FERNANDO GUALDONI
DO "EL PAÍS"

Paul Krugman, 51, talvez seja o economista mais influente de sua geração. Crítico tenaz das medidas econômicas do governo Bush, nem Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve (BC americano), escapou de suas observações sagazes, que em muitos casos vão na contracorrente nos EUA.
O economista diz acreditar que o Brasil corra "muito risco". Para ele, o país esteve várias vezes à beira do precipício e agora precisa de mais investimentos.
Uma de suas novas preocupações é o ritmo das economias européias. Em sua última visita a Madri, Krugman participou da Expomanagement, onde, diante de cerca de 1.500 executivos, apresentou algumas de suas idéias sobre o futuro da economia internacional. Leia trechos da entrevista.
 

Pergunta - Greenspan foi nomeado para um quinto mandato na direção do Fed. Ele ainda é o homem ideal para o cargo?
Paul Krugman -
Não. Ele já ficou tempo demais à frente do Fed. Deveria ter deixado o cargo havia alguns anos. Se o tivesse feito, sua reputação hoje estaria nas nuvens. A realidade, porém, é que Greenspan cometeu erros gravíssimos no comando da política monetária dos EUA. No final dos anos 90, quando as Bolsas estavam claramente supervalorizadas e vivíamos em uma bolha, ele atuou como instigador da chamada "exuberância irracional" dos mercados.

Pergunta - Nos últimos anos, como o senhor qualifica o trabalho dele?
Krugman -
Suas medidas foram lógicas, rápidas e agressivas. Desde 2001, Greenspan cometeu poucos erros em relação à política monetária, mas seus comentários sobre o corte de impostos do governo Bush e a política fiscal da administração foram equivocados e quase desonestos. Ele usou seu nome e seu prestígio para defender um corte impositivo, partidarista e muito prejudicial para o futuro dos EUA, já que põe em jogo as aposentadorias e os serviços sociais para toda uma geração.

Pergunta - Mas a economia americana parece se recuperar.
Krugman -
Sim, mas é uma recuperação muito frágil, à custa de um gigantesco estímulo fiscal. Eu não tenho nada contra cortar impostos ou suportar um déficit fiscal para impulsionar uma recuperação econômica. O problema da política fiscal de Bush é que ele quer tornar permanentes essas reduções fiscais, algo muito perigoso. Além disso, os beneficiários são os grupos sociais que menos necessitam.
Quanto à recuperação, só desfrutamos de um trimestre de crescimento espetacular. Os outros dados foram bem mais modestos. Poderia ter sido feito muito mais para que a economia americana arrancasse sem tanto custo. O mais preocupante é que, se os cortes fiscais de Bush se tornarem permanentes, o resultado será catastrófico para nosso sistema de aposentadorias.

Pergunta - Parece que o Fed está prestes a aumentar as taxas de juros. É o momento certo?
Krugman -
Temo que não. Aumentar os juros neste momento é um erro. Para começar, o raciocínio de que a inflação está aumentando e, portanto, é preciso controlá-la aumentando os juros não me convence, já que a pressão inflacionária é muito pequena e se deve quase totalmente à alta do preço do petróleo. Além disso, nos últimos meses o índice de desemprego ainda é preocupante. É verdade que estão sendo criados mais empregos nos Estados Unidos, mas essa cifra é pouco maior que o crescimento da população. O verdadeiro objetivo de uma alta dos juros agora é dar um sinal às Bolsas para que voltem a subir. O risco, porém, é que uma alta de juros possa solapar a incipiente recuperação econômica.

Pergunta - A situação das economias européias é diferente da dos EUA?
Krugman -
A Europa tem outros problemas. Os países da União Européia não se comportaram tão bem como deveriam em termos econômicos nos últimos anos, especialmente se comparados aos EUA. É um quebra-cabeça que muitos economistas analisamos, e creio que conseguimos entender algumas peças. Uma delas é o mercado de trabalho, que constitui um dos principais fracassos das economias européias.
Outro defeito da Europa é que não foi capaz de desfrutar do tremendo aumento dos níveis de produtividade que se verificou nos EUA. Do meu ponto de vista, já sabemos o que é preciso fazer para reduzir os índices de desemprego até 5% ou 6%. Mas não sabemos o que se deve fazer para melhorar a produtividade.

Pergunta - Qual é a receita para reduzir o desemprego?
Krugman -
Nisso meus pontos de vista parecem os de um americano teimoso de direita. A Europa oferece auxílios-desemprego demais, muito altos, há muito pouca flexibilidade no mercado de trabalho e os custos de contratação para as empresas são elevados. Um país como a Espanha deveria reformar seu sistema trabalhista e copiar um pouco o dos EUA.

Pergunta - As repercussões do déficit fiscal da França e da Alemanha podem ser as mesmas que nos Estados Unidos?
Krugman -
A combinação de pressão demográfica e fiscal é semelhante. Mas na Europa creio que politicamente será mais fácil tomar as medidas necessárias para controlar os gastos ou aumentar os impostos e garantir a manutenção da rede de serviços sociais. Esses serviços sociais são tão generosos que qualquer tipo de corte pode ter um grande impacto nas contas do Estado. Nos EUA, o corte deverá ser mais drástico, a menos que os políticos decidam aumentar os impostos. Além disso, na Europa o ambiente político não é tão polarizado, o que permite uma margem maior para atuar e tomar as medidas necessárias.

Pergunta - Mas assumir um déficit fiscal para impulsionar a economia não é um erro desses países?
Krugman -
Dizer que todo o déficit fiscal se deve ao desejo de impulsionar a economia é incorreto. O déficit fiscal se deve em parte ao descontrole dos gastos. Um déficit em curto prazo, porém, é uma medida perfeitamente válida. Um déficit fiscal de 4% nos EUA ou na Europa pode ser justificável.

Pergunta - Sobre América Latina, o senhor acha que será duradoura a recuperação que vive a região?
Krugman -
Tenho a impressão de que sim. O caso da Argentina é esperançoso, sua recuperação foi muito mais rápida do que imaginávamos e ainda deve fazer muito para retornar aos níveis de 1998. Mas creio que o Brasil corra muito risco. Em diversas ocasiões esteve à beira do precipício e agora precisa de mais investimentos.

Pergunta - E o Japão, também saiu da recessão em que se encontrava?
Krugman -
Parece que finalmente sua economia voltou a decolar. E, estranhamente, o fez sem aplicar as reformas que eram necessárias, o que demonstra que, se uma economia agüentar o tempo suficiente, mais cedo ou mais tarde voltará a crescer.


Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves


Texto Anterior: Tributação: Receita diz que o limite de isenção do IR já é elevado
Próximo Texto: Mercado financeiro: Bovespa destoa e fecha em alta de 1,11%
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.