São Paulo, domingo, 27 de junho de 2004

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HISTÓRIAS REAIS

Falhamos no terreno fiscal, afirma Franco

DA REPORTAGEM LOCAL

A falta de disciplina fiscal nos primeiros anos do Plano Real foi um erro. Manter o câmbio fixo até o limite do possível, não.
Essa é a análise retrospectiva de Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, que deixou o cargo em janeiro de 1999 sob um coro de críticas, que perduram até hoje, de que deveria ter desvalorizado a moeda antes.
Franco diz que continua sendo difícil cortar gastos públicos no Brasil e descreve o Congresso Nacional como um grupo de 600 "pequenos juscelinos", em referência ao ex-presidente Juscelino Kubitschek, responsável por agressivo programa de investimentos públicos.
Leia a seguir trechos de entrevista de Gustavo Franco concedida à Folha.
(ÉRICA FRAGA)
 

Folha - Como o senhor foi parar na equipe do Real?
Gustavo Franco -
Quando o Fernando Henrique virou ministro da Fazenda, em maio de 93, ele convidou três pessoas: Winston Fritsch, Edmar Bacha e eu. Havia pessoas também que não eram economistas, como o Clóvis Carvalho.

Folha - O senhor se opôs à idéia de convidar o economista Francisco Lopes para integrar a equipe?
Franco -
Digamos que várias pessoas da equipe se opuseram. Quando estava em vigor a URV (Unidade Real de Valor), o Chico foi fazer uma apresentação à equipe e disse que a URV deveria ficar em vigor por dois anos. Depois disso, achamos que ele não estava entendendo bem o plano.

Folha - Quais foram os principais erros e acertos do Plano Real?
Franco -
Não houve nenhum erro muito sério. Não espere que eu aponte a política cambial como um erro porque não foi, senão o plano não teria dado certo. Acho que falhamos no terreno fiscal. Só arrumamos as contas públicas em 99, embora essa tenha sido a primeira promessa que fizemos antes de colocarmos o Real na rua.

Folha - Críticos dizem que vocês não optaram pela disciplina fiscal por fins eleitoreiros.
Franco -
Isso é uma simplificação indevida, exagerada e mal-intencionada do problema fiscal, que todo mundo sabe que é uma pedreira. Foi uma falha nossa, mas acho que temos um bom álibi. Acabamos conseguindo rapidamente um progresso após a crise da Rússia. A atmosfera de gravidade da crise e a intervenção do FMI serviram para reduzir muitas resistências políticas.

Folha - Foi um erro ter segurado o câmbio fixo por tanto tempo?
Franco -
Não fazia sentido, pelo menos até a crise da Rússia, desvalorizar a moeda. Teria sido uma burrice tremenda. Eu, muitas vezes, pensei com meu travesseiro se, em março de 98, quando tínhamos muitas reservas, não deveríamos ter -não flutuado o câmbio-, mas tirado o teto da banda. Mas acho que, se o tivéssemos feito, com a crise da Rússia, podíamos ter enfrentado uma crise cambial. Em retrospecto, não arriscaria ter feito diferente, não.

Folha - Qual era seu plano na crise da Rússia?
Franco -
Meu plano era resistir ao ataque, esperar passar o pior. Fomos ao fundo, indo ao fundo, resolvemos o problema fiscal.
O FMI nos deu um caminhão de reservas. Eu preferia não ter de fazer a mudança sob pressão. Achava que antes teríamos de subir os juros. Mas isso era o que o presidente não queria. Isso foi determinante para fazer o que o Chico [Lopes, então diretor de Política Monetária do BC, que substituiu por poucos dias Franco na presidência] propunha. A experiência veio a mostrar que era essencial que os juros subissem. Foi a primeira coisa que o Armínio [Fraga, ex-presidente do BC, que sucedeu a Lopes] fez.

Folha - O que o senhor acha das críticas que lhe são feitas em relação à política cambial?
Franco -
Esse discurso não tem absolutamente pé nem cabeça. Se estava tudo errado, como deu certo? Como estamos carregando a moeda criada até hoje? O PT hoje é governo e pratica muitas políticas nossas que criticou.

Folha - Por que é tão difícil cortar gastos públicos no Brasil?
Franco -
É um problema institucional no sentido amplo. O Brasil é um país onde reverenciam o Juscelino [Kubitschek, presidente entre 1956 e 1961] e o gasto público. Não interessa como se pagarão as contas. Esse é o paradigma do político bem-sucedido. O Congresso é formado por 600 "pequenos juscelinos". Com essa gente, vai demorar para resolvermos isso. Acabaremos elegendo outras pessoas diferentes das de hoje.

Folha - Quais são as perspectivas de crescimento agora?
Franco -
A tarefa de conduzir ao crescimento é tão complexa como a tarefa de reduzir a inflação. Vai levar uma geração ainda.
É preciso construir a capacidade de crescimento. E não sei se vejo no governo o diagnóstico correto para esse processo. É um governo muito complicado, não tem diagnóstico claro. É dividido, confuso e, às vezes, esquizofrênico.

Folha - Como assim?
Franco -
Vou citar o exemplo das PPPs (Parcerias Público-Privadas). A PPP é um tentativa de fazer privatização sem o nome. É querer tentar fazer o investidor privado investir em infra-estrutura sem ter leilão.
Parece uma tentativa de conciliar o lado esquerdo com o lado direito do governo. Mas, economicamente, não sei se faz sentido.


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