São Paulo, sexta-feira, 27 de junho de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Vai indo que eu não vou


Contra "inflação global", vice do Fed pede juro mais alto nos emergentes; mais empresas e bancos põem a língua de fora

"DESCULPEM , foi engano", foi mais ou menos o que disse o Goldman Sachs a respeito da tese de que "o pior já passou" na crise bancária. No mercado de palpites, muita gente atribuía a sangria de ontem nas Bolsas à impressão crescente de que o buraco nos bancos é mais embaixo. Isto é, que bancos vão anunciar mais perdas, que cortarão mais dividendos e que terão de levantar mais capital a custo salgado.
Uma instituição financeira européia, o Fortis, anunciou exatamente isso ontem, após ter jurado de pés juntos de barro que não o faria de novo. De resto, a taxa "básica" de juros no mercado europeu sobe de novo, assim como o custo do seguro contra calotes de empresas e bancos. O fato de várias megaempresas de produtos "reais" terem botado a língua para fora (Nike, Oracle, GM) também não ajudou. Mas o caldo econômico entorna muito por causa da fervura do petróleo. Bidu.
O preço do petróleo depende em parte do valor do dólar, em frangalhos. O dólar, por sua vez, depende em parte do desnível entre os juros americanos e os do resto do mundo.
O Fed, o BC dos EUA, reluta em subir sua taxa, entalado que está entre a cruz e a caldeirinha, entre os riscos de recessão e de inflação. Para ajudar, líbios e a Opep reafirmaram ontem que o barril ainda flutuará além da estratosfera dos US$ 140.
Na quarta, o Fed manteve a taxa "básica" dos EUA em 2% ao ano. No mercado americano, caiu um pouco mais a ficha de que uma alta de juros não virá tão cedo. Logo, o risco percebido (ou imaginado ou fantasiado) de inflação cresce. Portanto, em tese fica bom fazer apostas adicionais na alta de petróleo e grãos, o que por sua vez nubla as perspectivas das empresas, cujas margens de lucro começam a ficar apertadas. Resumo dessa ópera de bancos alquebrados, empresas bufando, medo de inflação e de petróleo na estratosfera: está bom de fugir da Bolsa.
Os europeus gostariam que os EUA aumentassem os juros. Os EUA estão quase pedindo que o resto do mundo o faça. O vice-presidente do Fed, Donald Kohn, deu ontem palestra fechada no BC europeu em que deve ter tratado disso -pelo menos o dizia no texto da palestra, que estava no site do Fed.
Entre várias inanidades sobre globalização e "descasamento", Kohn fazia três insinuações que soam fortes em bancocentralês: 1) Os emergentes deixaram a inflação explodir; 2) Deveriam deixar suas moedas flutuarem (em relação ao dólar) a fim de concentrar o foco da política monetária na inflação; 3) Deveriam aumentar, e bem, os juros. Kohn não citou países, mas não nasceu ontem e está faz 38 anos no Fed. Sua indireta foi para China, asiáticos do entorno e Oriente Médio, a maioria com moedas desvalorizadas e mais ou menos atreladas ao dólar. E com taxas de juros negativas.
Ou seja, o Fed, depois de dar um bico extra na inflação mundial, derrubando juros para salvar seus bancos, agora receia elevar sua taxa por medo de azedar a crise bancária ou de afundar a economia americana na recessão. Mas quer que os asiáticos elevem juros, valorizem suas moedas, consumam menos e ajudem no "esforço global" contra a inflação. Enquanto isso, o petróleo explode, a incerteza aumenta e, assim, as Bolsas despencam.

vinit@uol.com.br


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