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São Paulo, domingo, 27 de julho de 2003

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LUÍS NASSIF

A saga de Oscar Alemán

Comecei a me interessar pelo guitarrista argentino Oscar Alemán ainda nos anos 70, depois de ler um comentário do crítico norte-americano Leonardo Feather -considerado o maior de jazz-, reputando-o dono de um suingue superior ao de Django Reinhardt, um dos maiores da história.
Na minha primeira viagem à Argentina, em 1985, voltei com meia dúzia de fitas velhas de Alemán, a informação de que ele morrera em 1980 e tinha uma filha de nome Selva, atriz de televisão. Todas as vezes que voltava a Buenos Aires retornava com mais algumas fitas. Em todas elas, standards da música internacional e uma profusão de músicas brasileiras, de Caymmi à bossa nova e, especialmente, no choro.
No fim de semana passado resolvi tirar três dias para passear em Buenos Aires e tentar localizar alguma coisa de Alemán e Eduardo Falú -esplêndido violonista, cantor e compositor argentino.
Não consegui convencer a filha de Alemán, Índia Morena, de que eu era jornalista querendo informações sobre o pai. Ficou desconfiada, querendo que eu enviasse e-mails com mais dados. Não deu tempo de cumprir as exigências.
Na verdade, o que me interessava na visita era saber mais sobre a fase da vida de Alemán em Santos, que marcaria para sempre sua produção. Seu balanço, com mistura de choro, ritmos caribenhos e jazz, forneceu as bases para o jazz latino -que, depois, explodiria em Cuba e, especialmente, no estilo Paquito de Rivera.
Em um CD lançado na França, que adquiri anos atrás, soube de sua infância em Santos, da amizade com o violonista santista Gastão Bueno Lobo, de sua volta a Buenos Aires ainda nos anos 20, quando criou a dupla Los Lobos.
O jornalista Alan Romero, radicado em Portugal e minucioso pesquisador da internet, me forneceu informações adicionais sobre Alemán.
Oscar Marcelo Alemán nasceu no Chaco, Argentina, em 20 de fevereiro de 1909. Foi menino de rua em Santos. Tomava conta de carros e se apresentava nos bares do cais dançando, cantando e tocando cavaquinho. Aliás, tenho duas versões da música "D.A. 1925", um tema de jazz de sua autoria, solado no cavaquinho, sem nenhum acompanhamento, de deixar o Armandinho de queixo caído.
A mãe de Alemán era a pianista Marcela Pereira, índia da tribo Toba. O pai era o violonista uruguaio Jorge Alemán Moreira, descendente de espanhóis. Informações dos biógrafos dão conta de uma família musical e feliz, com muitos irmãos, que constituíam o "Moreira Sextet".
Em 1919 eles se mudaram para Santos. Em 1920 a mãe morreu em Buenos Aires. No ano seguinte, o pai se suicidou em Santos. Os irmãos mais velhos sumiram e, aos 12 anos, Oscar se tornou menino de rua. Além da música, fez de tudo, de palhaço de circo a boxeador.
Em 1924 conheceu Gastão Lobo -que depois, na Argentina, virou Gaston-, o qual o iniciou no choro e no cavaquinho e mudaria sua vida. Voltou a Buenos Aires, depois passou pelo Rio e seguiu para uma temporada parisiense. Lá, Alemán foi descoberto pela vedete Josephine Baker.
Ficou até 1940 brilhando na França, revezando-se com Django no histórico Hot Club, de Paris. Teve inúmeras oportunidades de seguir carreira, uma delas em um convite de Duke Ellington, o maior nome do jazz norte-americano, para integrar sua orquestra.
Deixou tudo para trás e voltou para Buenos Aires. Lá montou diversas formações, de orquestras a quintetos e trios. Suas apresentações com o extraordinário violinista chileno Hernán Oliva nada ficam a dever às históricas gravações de Django com o violinista Stephane Grapelli.
Há um filme sobre ele, vendido em VHS, "Oscar Alemán - A Swinging Life" (www.latinjazznet.com/reviews/video-oscar-aleman.htm).
Meu guru Nelsinho Risada, grande cavaquinho, me contou que no início dos anos 50 assistiu a uma apresentação de Alemán. Era um "showman", que gostava de tocar com a guitarra nas costas.
Mesmo com essas extravagâncias, está sendo redescoberto e considerado, com toda justiça, um dos maiores guitarristas do século. Graças, em parte, a Gastão Lobo e ao choro.

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