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São Paulo, domingo, 27 de julho de 2003

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TESOURA AFIADA

Cortes no orçamento podem comprometer inspeção a bancos

Fazenda reduz a um terço verba de fiscalização do BC

LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O corte no Orçamento da União definido pelo governo no começo do ano, para cumprir meta maior de superávit primário acordada com o FMI (Fundo Monetário Internacional), atingiu drasticamente uma das principais funções do Banco Central: a fiscalização de instituições financeiras.
Segundo o diretor dessa área no Banco Central, Paulo Sérgio Cavalheiro, se o Ministério da Fazenda não liberar mais recursos para a instituição, a regularidade de fiscalizações e o número de técnicos deslocados por missão terão de ser reduzidos nos próximos meses.
"É uma preocupação. Se nada for feito, teremos de selecionar [as fiscalizações a serem realizadas], o que não é o ideal. É um problema que a gente reconhece [existir]", disse Cavalheiro à Folha.
O Ministério da Fazenda determinou uma contenção nas despesas de custeio do Banco Central neste ano da ordem de 50%.
Dos R$ 312,7 milhões inicialmente autorizados para o banco, foram contingenciados R$ 158,5 milhões, sobrando apenas R$ 154,2 milhões.
Somente a Diretoria de Fiscalização teve sua receita reduzida para menos de um terço do valor previsto no Orçamento -de R$ 4,950 milhões para R$ 1,532 milhão.

Sem precedentes
"Não lembro de um corte dessa magnitude desde que entrei no banco", disse ele. Cavalheiro foi admitido em concurso no BC em 1976, como auditor da área em que trabalha até hoje.
A qualidade da fiscalização de operações críticas realizada por instituições financeiras, como o envio de recursos para o exterior pelas chamadas contas CC-5 (muito utilizadas para evasão e lavagem de dinheiro), pode ficar comprometida.
Segundo Cavalheiro, todas as transações feitas por meio das CC-5 são registradas no sistema do BC. "Mas, de repente, se detectamos algum tipo de irregularidade, precisamos mandar um inspetor ao local."
Por meio de contas CC-5 foram remetidos US$ 30 bilhões para o exterior entre 1996 e 1999, somente pelo Banestado, segundo investigação preliminar da Polícia Federal. A PF suspeita que grande parte do dinheiro tenha origem ilícita, como o pagamento de propina a autoridades corruptas.

Superávit maior
Em janeiro, o governo anunciou aumento da meta de superávit primário (receitas menos despesas, exceto gastos com juros da dívida) para este ano de 3,75% do PIB (Produto Interno Bruto) para 4,25%, o que equivale a uma economia de R$ 68 bilhões.
A tesoura nas despesas da Fazenda foi de 15,25%, a terceira mais branda entre os ministérios. A disponibilidade de recursos da pasta caiu de R$ 1,716 bilhão para R$ 1,454 bilhão, o que dá menos R$ 262 milhões. Como o Banco Central é uma autarquia subordinada à Fazenda, é o ministério que define os cortes de recursos da instituição.
Cavalheiro contou que já conversou com o Ministério da Fazenda sobre o problema. Segundo ele, os integrantes da equipe do ministro Antonio Palocci Filho "estão cientes da situação" e estudam a liberação de mais recursos para o Banco Central nesta segunda metade do ano.
No dia em que recebeu a Folha, Cavalheiro estava com uma carta pronta à Fazenda para retomar as discussões sobre o assunto. "Acredito que eles [do ministério] vão liberar mais recursos", disse.

Número adequado
Para Cavalheiro, o número de funcionários da diretoria não é problema. Ao todo, são 999, dos quais cerca de 800 diretamente ligados à supervisão e fiscalização das instituições financeiras. "Um número adequado."
Segundo ele, na primeira metade do ano a diretoria conseguiu manter a qualidade da fiscalização. Mas ressalta que, se não houver mais dinheiro disponível, a situação começará a ficar complicada a partir do mês que vem.
Diz que, em setembro, o número de viagens para inspecionar instituições financeiras já teria de ser reduzido, assim como o número de integrantes das equipes que fiscalizam os bancos. "A boa fiscalização pressupõe viajar, precisa ser feita in loco", disse.

Ajuda de todos
"Todos [os órgãos do governo] têm de dar sua contribuição [à economia de receitas]. Mas alguns setores têm serviços indispensáveis", ponderou.
Segundo Cavalheiro, a fiscalização dos bancos realizada pelo Banco Central melhorou muito nos últimos anos graças à adoção de comitês de trabalho.
Funcionários da fiscalização baseados em diferentes Estados reúnem-se periodicamente para trocar informações, o que é importante, na avaliação de Cavalheiro, para o aprimoramento da formação dos técnicos.
"Com a restrição orçamentária, teremos de reduzir as viagens para a realização desses comitês", disse ele.
"Estamos em um nível [de fiscalização] muito positivo hoje. Mas podemos perder a qualidade do trabalho que se conquistou nos últimos anos", afirmou.


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