|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CONTAS NACIONAIS
Para a "antieconomista" Hazel Henderson, trabalhos voluntários geram US$ 16 tri no mundo por ano
Americana quer "economia do amor" no PIB
CÍNTIA CARDOSO
DA REPORTAGEM LOCAL
Autoproclamada uma antieconomista, a americana Hazel Henderson defende uma reformulação no cálculo do PIB (Produto
Interno Bruto) das economias
mundiais.
Segundo a ativista e consultora
em desenvolvimento social, a
"economia do amor" deveria ser
um dos pilares das fórmulas das
contas nacionais. O termo utilizado por Henderson trata da movimentação econômica decorrente
do trabalho não-remunerado, como o feito por voluntários, donas-de-casa e práticas de "escambo"
entre produtores rurais. Longe de
ter apenas um caráter humanitário, Henderson afirma que, se
contabilizadas, essas atividades
gerariam uma renda mundial de
US$ 16 trilhões por ano.
Com mais de dez passagens pelo Brasil, a americana defende
ainda a criação de um modelo para a tributação do mercado de
câmbio internacional. Esses recursos, diz, poderiam ser utilizados para promover o desenvolvimento dos países pobres.
Henderson veio ao Brasil para
participar de evento organizado
pela Câmara Americana de Comércio de São Paulo. A seguir, a
entrevista concedida à Folha.
Folha - Ao longo da sua carreira, a
senhora tem defendido a "economia do amor" como um elemento
importante para a composição do
PIB dos países. Qual é exatamente
a definição desse conceito?
Hazel Henderson - A "economia
do amor" leva em conta atividades realizadas na vizinhança, na
vida comunitária, como cuidar
dos idosos e das crianças no ambiente familiar, por exemplo. São
atividades vitais, mas que não são
remuneradas e tampouco entram
no cálculo das contas nacionais. É
daí, porém, que virão as novas
fontes de emprego. Infelizmente,
poucos já têm consciência dessa
mudança. Acredito também que
estamos no fim da era do dinheiro. Hoje, podemos fazer negócios
puramente baseados em informação. A informação é a moeda
mundial mais valiosa.
Folha - O que está errado nas fórmulas de cálculo do PIB?
Henderson-Elas são muito baseadas na "economia do dinheiro", que visa a competição. Na
minha proposta, são doze os indicadores que devem ser levados
em consideração: infra-estrutura,
renda, direitos humanos, saúde,
ambiente, energia, emprego, educação, habitação, lazer, segurança
pública e segurança nacional.
Folha -No caso do Brasil todos esses indicadores poderiam ser aplicados?
Henderson-Cada país tem diferentes aspirações e objetivos, mas
acredito que sim. Especialmente
na questão de segurança nacional,
o Brasil tem um grande capital.
Um exemplo é a política de comércio exterior. Fiquei muito impressionada com a liderança do
Brasil entre os países em desenvolvimento. A liderança que o
Brasil exerce é que chamamos de
"liderança suave", que é uma liderança baseada na capacidade de
influenciar e na moral.
Folha - Mas como fazer essa nova
visão de economia ingressar no
pensamento central?
Henderson - Já há um grande debate entre os economistas sobre
como contabilizar a "economia
do amor". Uma idéia é trazer toda
essa economia informal para dentro da economia formal. Outra
corrente diz que a "economia do
amor" deveria ser reconhecida e
honrada, mas nem tudo deveria
ser contabilizado e remunerado.
Por exemplo, mães que cuidam
dos seus filhos, provavelmente,
não devem querer ser remuneradas por isso, mas isso poderia ser
feito de outra forma. As donas-de-casa poderiam ter algum tipo
de auxílio-aposentadoria. A outra
corrente diz que os valores da
"economia do amor" não devem
ser estragados por valores capitalistas e devem apenas ser monitorados. O debate está aberto.
Folha - Qual corrente a senhora
defende?
Henderson - Não acho que a
"economia do amor" deva ser incluída no cálculo do PIB neste
momento. Primeiro, a forma de
calcular o PIB no mundo tem de
ser revista. Seria melhor que os
governos se preocupassem, por
enquanto, em conhecer o formato
e a dimensão da "economia do
amor" nos seus países: as horas
trabalhadas, o tipo de serviço
prestado. A "economia do amor"
deveria ser documentada, mas
não necessariamente se fundir
com a economia [tradicional]
nesse estágio em que estamos.
Folha - Além da "economia do
amor", que estratégias o Brasil poderia adotar para impulsionar a
economia?
Henderson - O Brasil está redefinindo como o comércio mundial
será conduzido. A forma criativa
como o ministro [Celso] Amorim
tem agido na OMC [Organização
Mundial do Comércio] é surpreendente. Antes da formação
do G20, os países pobres estavam
descrentes com o sistema da organização. Mas, ao criar o grupo, o
Brasil mostrou a esses países que é
possível jogar -e ganhar- com
as regras da OMC. Mas é importante também ter em mente que o
foco do comércio mundial vai
mudar dos bens materiais para os
serviços. O Brasil, especialmente
com "tecnologias verdes" tem
grandes chances nesse nicho. Se
todas as riquezas naturais, o patrimônio cultural, a criatividade
musical do Brasil fossem mensuradas, o PIB do Brasil teria uma
dimensão muito maior.
Texto Anterior: Vizinhos: Brasil vai ajudar o Paraguai contra pirataria Próximo Texto: Frase Índice
|