São Paulo, quarta-feira, 27 de agosto de 2008

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PAULO RABELLO DE CASTRO

A crise financeira se alastra


Como ninguém tem disposição de bancar risco algum, o Fed, agora de Ben Bernanke, banca a todos

AS AUTORIDADES monetárias dos EUA têm tido crescente dificuldade de transmitir aos mercados a convicção de que "tudo vai bem", diante da brutal contração do seu sistema bancário. A razão é simples: houve perversa conjugação do explosivo déficit fiscal, do governo americano, com a espantosa evolução do débito das famílias, ao acumularem compromissos impagáveis. Hoje, o americano médio deve na praça cerca de 150% da sua renda de um ano de trabalho. É recorde absoluto na história financeira do país.
A política de juros muito baixos, aquém da própria inflação, orquestrada pelo Fed de Alan Greenspan, entre 2001 e 2005, certamente está na raiz macroeconômica das atuais aflições. Até alguns meses atrás, tudo conspirava para dar aos americanos e ao mundo a falsa certeza de que uma espécie de "nova economia" havia surgido na era da globalização. Como a China tem forte capacidade de poupar, que veio a se somar aos elevados saldos externos de outros asiáticos, os EUA puderam abusar, durante anos seguidos, desse financiamento macio e pouco custoso. Com isso, Greenspan soprou mais forte a bolha do consumo ao reduzir a taxa básica de juros a 1% ao ano, no início desta década.
Os mercados financeiros entenderam o recado: sinal verde para especular e alavancar posições de risco, pois o custo financeiro de carregar ou rolar tais compromissos era quase zero. O consumidor também atendeu o chamado ao gasto.
Greenspan não agiu por pura recreação. Em meados de 2000, rompera-se a bolha das ações de tecnologia na Bolsa Nasdaq. E ao final daquele ano, véspera da posse de George W. Bush, eram evidentes os sinais recessivos. Em seguida, vieram as quebras da Enron e da WorldCom e o atentado do 11 de Setembro.
Greenspan tinha a opção de administrar "aquele osso", uma dura crise recessiva bem ao final de seu longo e "mágico" mandato ou tentar, de novo, a pedalada que já usara antes -inflar o meio circulante, aumentando fortemente o incentivo ao gasto entre os americanos. Entre a glória e a crítica, não teve dúvida.
Bush contribuiu com a parte dele.
Desfez o equilíbrio fiscal deixado por Clinton -provavelmente o melhor presidente do pós-guerra- e partiu para as batalhas no Afeganistão e no Iraque. Com isso, a dívida pública federal (incluindo Social Security) saltou 70%, para os atuais US$ 9,5 trilhões, no período Bush.
É essa a carteira de créditos que os bancos americanos exibem (ou tentam esconder...). Essa também é a razão pela qual, ainda nos últimos dias, diversos bancos dos EUA continuam apresentando mais sangramento em seu valor de mercado. Como ninguém tem disposição de bancar risco algum, o Fed, agora de Ben Bernanke, banca a todos. Desde o espocar da crise de confiança, o Fed foi obrigado a trocar cerca de 50% de sua tradicional carteira, composta de títulos do Tesouro, por papéis privados sem qualquer garantia de qualidade de pagamento. Isso, sim, é extraordinário e inusitado na política monetária dos EUA. E, finalmente, começa a aparecer o envolvimento de bancos europeus e asiáticos.
Não se pode esperar nada além do alastramento da crise contracionista: 1) é crise prolongada (18 a 24 meses) pela lenta desalavancagem das posições dos bancos; 2) não há preço alto de commodity que se sustente em tal ambiente; nem poderia ser assim, por ferir a própria lógica do ajuste; 3) é crise mundial, sim, com medalhas de ouro em exposição de risco para uns e, para outros (felizmente o caso do Brasil), mais um bronze de consolação.

PAULO RABELLO DE CASTRO, 59, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio-SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

paulo@rcconsultores.com.br



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