São Paulo, quarta-feira, 27 de outubro de 2004

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LUÍS NASSIF

A internacionalização da poupança

Há lógica na aparente loucura de propor a livre conversibilidade da poupança doméstica.
Nos últimos meses, os casos Maluf, Banestado, CVC Opportunity revelaram, claramente, o processo de transferência de poupança de grandes investidores brasileiros para o exterior e a volta na forma de investimento externo.
Sucessivos planos econômicos, mais o bloqueio de cruzados e o fim das contas ao portador, no governo Collor, provocaram fuga de recursos internos -da grande poupança legal ao caixa dois de empresas, de dinheiro de campanha política ao crime organizado.
Por outro lado, desde os anos 80 o sistema bancário convencional, com seus produtos em moeda local, deixou de interessar ao capital rentista. Já nos anos 80 ocorreram as primeiras tentativas de entrar na jogatina internacional, no famoso episódio da corretora Tieppo.
No início do Plano Real, havia a clientela mais rica do país com recursos lá fora. É a disputa por esse enorme mercado que explica a lógica do rombo nas contas correntes e da fixação do câmbio, em 1994. Tratava-se de um filão inesgotável, já que os grandes bancos, por seu conservadorismo e sua subordinação às normas do BC, jamais ousariam competir.
Pequenos bancos, recém-constituídos, com capital ínfimo, subitamente passam a ter acesso a volumes inacreditáveis de recursos, dezenas de vezes superior a seu patrimônio. Por mais que fossem pessoas com trânsito internacional, seria impossível conseguir acesso àquela montanha de dinheiro, tendo meramente um nome e uma carta patente para oferecer. Só foi possível porque seus clientes eram velhos conhecidos: investidores nacionais com dinheiro lá fora.
Não é coincidência o fato de praticamente todos os autores do Plano Real terem se associado, em algum momento, a esses novos bancos.
Não é coincidência o fato de o Banco Central ter escancarado o mercado paralelo de dólares em 1997, permitindo a proliferação das contas CC5 (depósito em dólares de não-residentes). Tratava-se de ampliar o duto da poupança exportada, para manter a indústria de reciclagem financeira operando. E não é coincidência o fato de, mal o país consegue equilibrar as contas externas, surgirem os "especialistas" que defendem a volta dos déficits em conta corrente.
Não tente submeter essa loucura a qualquer teste de lógica econômica ou de interesse nacional. A lógica é estritamente negocial.
A meta da conversibilidade é internacionalizar o grande capital doméstico, tirando-o da jurisdição do Estado nacional. É por aí que se entende uma cervejaria de 110 anos sendo vendida, o capital nacional sendo transformado em capital internacional, por mera manobra contábil, aumentando o passivo externo brasileiro em quase US$ 5 bilhões, sem que um dólar entrasse. Tudo limpamente, sem doleiro, sem subfaturamento e com direito a comemoração entusiasmada do presidente do Banco Central como se investimento fosse.
Eu não sei o que irá acontecer no dia em que este país tiver governo.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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