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Estatização da previdência reforça temores de novo calote argentino
Analistas atribuem decisão à urgência de levantar caixa para pagar dívidas
ADRIANA KÜCHLER
DE BUENOS AIRES
O governo argentino anunciou na semana passada o "resgate" dos fundos de Previdência privada, que serão estatizados, mas conseguiu um efeito
contrário ao desejado: em vez
de parecer que está tomando
medidas importantes para atenuar os efeitos da crise internacional, acabou trazendo à tona
rumores sobre um novo calote.
Enquanto o governo afirma
que a medida visa salvar os aposentados, já que os fundos de
pensão registravam grandes
perdas em ações e bônus com a
desvalorização recente dos papéis, analistas e oposição entendem que a medida foi tomada para garantir caixa para pagar os vencimentos da dívida
nos próximos anos.
A notícia caiu mal e provocou
uma queda de 24,29% no índice
da Bolsa de Buenos Aires desde
terça-feira. No ano, a baixa acumulada é de 58,63%. Bônus da
dívida caíram, enquanto o dólar
e o risco-país subiram.
Os números são fruto da desconfiança gerada pela ação estatal. "A forma desordenada
com a qual o governo toma decisões de política econômica
gera suspeitas de que o país está
muito pior do que está ou deveria estar", afirma à Folha o economista e ex-secretário de Indústria Dante Sica.
"A estatização da Previdência é uma reforma que deveria
ser discutida com tempo, mas
foi anunciada de maneira intempestiva, como medida de
fim de semana", diz.
Com a estatização, que ainda
tem que ser aprovada pelo
Congresso, o governo absorverá US$ 30 bilhões dos fundos
de pensão e arrecadará outros
US$ 5 bilhões anuais.
A medida foi a alternativa
encontrada pela Argentina para pagar as dívidas em 2009,
diante da falta de financiamento internacional e da queda no
valor das commodities.
O preço da soja, um dos principais produtos de exportação
do país, caiu mais de 40% nos
últimos meses e provocou uma
perda de cerca de US$ 2,5 bilhões ao governo em impostos
às exportações.
Acordos frustrados
Para tentar ganhar acesso ao
crédito externo, que perdeu
desde o calote da dívida em
2001, a presidente argentina,
Cristina Kirchner, havia iniciado recentemente acordo para
pagar a dívida de US$ 6,7 bilhões com o Clube de Paris (formado por nações credoras internacionais) e reabrir a negociação com donos de títulos do
país que não aceitaram negociar a dívida em 2005.
Com o agravamento da crise,
o negócio emperrou, já que o
acesso ao crédito se tornou difícil até para quem já o tinha. "A
crise internacional vai dilatar
os tempos dos pagamentos das
dívidas. A questão, então, é saber se o governo conseguirá financiamento externo porque
não pode se sustentar eternamente usando seus próprios estoques", afirma o economista
Ramiro Castiñeira, da consultoria Econométrica.
Para Castiñeira, a falta de
crédito externo deixa o país
mais vulnerável que outras
grandes economias da região.
"A possibilidade de um novo
default existe, mas não para o
próximo ano."
Dante Sica ressalta que os
números da economia argentina são positivos. O superávit
primário, chave para o pagamento da dívida pública, acumulado entre janeiro e setembro foi de aproximadamente
US$ 10 bilhões.
A crise deve provocar desaceleração no país, que vinha apresentando crescimento de mais
de 8% anuais nos últimos cinco
anos, mas esse freio deve ser
comum a todos os países. O
problema da Argentina é outro.
"A estatização da Previdência soluciona o problema fiscal
a curto prazo, pelos próximos
três anos, mas não resolve os
problemas de longo prazo, a falta de integração com o mercado
internacional e a desconfiança
externa na capacidade do governo em tomar medidas adequadas para enfrentar a crise",
afirma Sica.
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