São Paulo, segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Estatização da previdência reforça temores de novo calote argentino

Analistas atribuem decisão à urgência de levantar caixa para pagar dívidas

ADRIANA KÜCHLER
DE BUENOS AIRES

O governo argentino anunciou na semana passada o "resgate" dos fundos de Previdência privada, que serão estatizados, mas conseguiu um efeito contrário ao desejado: em vez de parecer que está tomando medidas importantes para atenuar os efeitos da crise internacional, acabou trazendo à tona rumores sobre um novo calote.
Enquanto o governo afirma que a medida visa salvar os aposentados, já que os fundos de pensão registravam grandes perdas em ações e bônus com a desvalorização recente dos papéis, analistas e oposição entendem que a medida foi tomada para garantir caixa para pagar os vencimentos da dívida nos próximos anos.
A notícia caiu mal e provocou uma queda de 24,29% no índice da Bolsa de Buenos Aires desde terça-feira. No ano, a baixa acumulada é de 58,63%. Bônus da dívida caíram, enquanto o dólar e o risco-país subiram.
Os números são fruto da desconfiança gerada pela ação estatal. "A forma desordenada com a qual o governo toma decisões de política econômica gera suspeitas de que o país está muito pior do que está ou deveria estar", afirma à Folha o economista e ex-secretário de Indústria Dante Sica.
"A estatização da Previdência é uma reforma que deveria ser discutida com tempo, mas foi anunciada de maneira intempestiva, como medida de fim de semana", diz.
Com a estatização, que ainda tem que ser aprovada pelo Congresso, o governo absorverá US$ 30 bilhões dos fundos de pensão e arrecadará outros US$ 5 bilhões anuais.
A medida foi a alternativa encontrada pela Argentina para pagar as dívidas em 2009, diante da falta de financiamento internacional e da queda no valor das commodities.
O preço da soja, um dos principais produtos de exportação do país, caiu mais de 40% nos últimos meses e provocou uma perda de cerca de US$ 2,5 bilhões ao governo em impostos às exportações.

Acordos frustrados
Para tentar ganhar acesso ao crédito externo, que perdeu desde o calote da dívida em 2001, a presidente argentina, Cristina Kirchner, havia iniciado recentemente acordo para pagar a dívida de US$ 6,7 bilhões com o Clube de Paris (formado por nações credoras internacionais) e reabrir a negociação com donos de títulos do país que não aceitaram negociar a dívida em 2005.
Com o agravamento da crise, o negócio emperrou, já que o acesso ao crédito se tornou difícil até para quem já o tinha. "A crise internacional vai dilatar os tempos dos pagamentos das dívidas. A questão, então, é saber se o governo conseguirá financiamento externo porque não pode se sustentar eternamente usando seus próprios estoques", afirma o economista Ramiro Castiñeira, da consultoria Econométrica.
Para Castiñeira, a falta de crédito externo deixa o país mais vulnerável que outras grandes economias da região. "A possibilidade de um novo default existe, mas não para o próximo ano."
Dante Sica ressalta que os números da economia argentina são positivos. O superávit primário, chave para o pagamento da dívida pública, acumulado entre janeiro e setembro foi de aproximadamente US$ 10 bilhões.
A crise deve provocar desaceleração no país, que vinha apresentando crescimento de mais de 8% anuais nos últimos cinco anos, mas esse freio deve ser comum a todos os países. O problema da Argentina é outro.
"A estatização da Previdência soluciona o problema fiscal a curto prazo, pelos próximos três anos, mas não resolve os problemas de longo prazo, a falta de integração com o mercado internacional e a desconfiança externa na capacidade do governo em tomar medidas adequadas para enfrentar a crise", afirma Sica.


Texto Anterior: Morales deve procurar mais apoio no Brasil
Próximo Texto: Mercosul: Ministros se reúnem hoje para discutir medidas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.