São Paulo, domingo, 27 de novembro de 2005

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AGRONEGÓCIO

Dono de frigorífico líder no país admite em gravação fixar preço; empresa diz ter "contrato de gaveta" com banco, que nega

Friboi assume cartel e ilegalidade no BNDES

MAURO ZAFALON
FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

O Friboi, maior abatedouro de bovinos da América Latina e quarto maior do mundo, confessa operar em regime de cartel unido a pelo menos três outros frigoríficos brasileiros.
"Nós, o Bertin, o Independência... os três põe o preço do boi em tudo quanto é Estado. Mato Grosso nós peita... Nós sozinho regulou o preço. Estamos fazendo o preço do Mato Grosso, e os outro acompanha [sic]", diz José Batista Junior, proprietário do Friboi.
"Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Minas, agora nós estamos em cinco Estado, e nos cinco Estado nós combina com três", diz, nomeando os frigoríficos Independência, Bertin e Mataboi -que negam participação no esquema.
Essa combinação que Batista Junior descreve teria o objetivo de forçar os pecuaristas a vender seu gado aos frigoríficos a um preço abaixo da lei da oferta e da procura, deturpando o mercado.
Neste ano, a partir de outra denúncia, foi aberta investigação no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) atrás de provas sobre a prática de cartel no setor. A denúncia partiu da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).
Batista Junior, que na semana passada anunciou ser candidato pelo PSDB ao governo de Goiás, fez as declarações diante de testemunhas que estão em guerra comercial com o Friboi. Sem saber, Batista Junior foi gravado e filmado durante as conversas.

"Contrato de gaveta"
Em uma dessas conversas, também gravada, o irmão de Batista Junior, Joesley Mendonça Batista, afirma ter um "contrato de gaveta" com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), pelo qual assumiu uma dívida de R$ 11,2 milhões do grupo concorrente Araputanga.
Friboi e Araputanga firmaram em 1999 compromisso de arrendamento com opção de compra do frigorífico Araputanga (MT). Os dois protagonizam disputa há anos na Justiça, a qual põe o BNDES em situação delicada.
O banco nega o "contrato de gaveta", mas reconhece ter cometido "erros" na operação e é acusado pelo Araputanga de favorecer financeiramente o Friboi, empresa que concentra R$ 568 milhões em empréstimos do BNDES.
A formação do cartel e o contrato "heterodoxo" com o BNDES foram admitidos pelos proprietários do Friboi em pelo menos três reuniões. Os encontros foram registrados pelo Araputanga, e as gravações, obtidas pela Folha.
O vídeo e o áudio dos registros foram periciados e atestados como autênticos por Ricardo Molina, perito do Laboratório de Perícias da Unicamp e conhecido por sua atuação no caso da morte de PC Farias, em junho de 1996.
Wesley Mendonça Batista, sócio de Batista Junior e Joesley, dá duas explicações para a formação do cartel que seu irmão mais velho confessa nas gravações: acha que a fita ou é "montada" ou não faz sentido, já que os cinco maiores frigoríficos do país teriam um poder de abate de bovinos equivalente a 15% do total nacional.
Sobre o "contrato de gaveta" com o BNDES, Wesley afirma que se trata da assunção regular de uma dívida, mesma versão dada pelo banco oficial.
O BNDES reconhece, porém, que, mesmo após transferir a dívida do Araputanga para o Friboi, continuou a enviar boletos de cobrança ao Araputanga. A empresa diz ter constado como inadimplente no sistema do Banco Central, o que a impediu de tomar outros empréstimos na praça.
O BNDES também deixou de retirar o proprietário do Araputanga, José Almiro Bihl, como fiador do empréstimo.
"Estamos providenciando exatamente isso agora [a retirada de Bihl como fiador]. A gente está com problema aqui no banco, de muito trabalho", afirma Jaqueline Ferreira Lemos, assessora da área industrial do BNDES.
A operação no BNDES é considerada "heterodoxa" pelo fato de a unidade do Araputanga, garantia do empréstimo, não ter sido transferida legalmente ao Friboi, segundo os advogados de Bihl. Já Wesley diz que nunca arrendou, mas que comprou o frigorífico.
Wesley diz que o Araputanga quer dar "um golpe". Segundo ele, depois que o Friboi pagou dívidas do frigorífico, o Araputanga quer o negócio de volta.
Para Marcelo Merlino, advogado do Araputanga, o Friboi não cumpriu obrigações, por isso deveria providenciar a devolução do frigorífico. O caso está na Justiça.

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