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OPINIÃO ECONÔMICA
Concorrência global,
enfoque local
GESNER OLIVEIRA
A concorrência constitui
ingrediente fundamental do
crescimento. Sem concorrência
não há inovação, e sem inovação
não há crescimento sustentado.
No entanto, a questão não consta
da pauta do Fórum Econômico
Mundial de Davos nem da agenda do Fórum Social Mundial em
Caracas. Mas pelo menos o Brasil
começa a acordar para a importância do assunto conforme demonstra o interesse gerado pela
sessão especial do Fórum Nacional coordenado na quinta-feira
pelo ex-ministro João Paulo dos
Reis Velloso.
A área de defesa da concorrência constitui uma das ilhas de
competência no governo federal
em um oceano de inépcia administrativa e gerencial. O tempo de
julgamento dos processos diminuiu apesar dos parcos recursos e
das rigidezes da legislação, conforme revelam as estatísticas do
Cade.
No entanto, o conselho ficou parado um mês por falta de quórum
porque o governo não fez as nomeações em tempo hábil. Conforme destacou uma revista inglesa,
"Global Competition Review", no
último dia 18 foi a primeira vez
em três anos que o Cade funcionou com o quórum completo!
Ninguém resiste à exuberância
do Rio de Janeiro. Mesmo depois
de assaltado por quadrilha no
Aterro do Flamengo, um grupo de
turistas ingleses disse que recomendaria a visita aos amigos.
Talvez tenham sido sinceros, e
não somente educados. Mas será
que os analistas de investimento
de longo prazo estão dispostos a
esquecer nossas mazelas? Há outras economias mais atraentes do
que a brasileira conforme sugere
o sucesso de China e Índia na badalação de Davos.
O Fórum Nacional discutiu
uma moderna política de competição. Há mais de duas décadas os
organismos multilaterais oferecem uma receita pronta de como
implementar a defesa da concorrência. No entanto, há várias peculiaridades de uma economia
em desenvolvimento que não são
levadas em conta. Quatro pontos
merecem particular atenção.
Em primeiro lugar, o tamanho
do setor informal que no Brasil,
segundo dados do Banco Mundial, é de aproximadamente 40%
do PIB. Tal distorção requer especial atenção por parte de órgãos
como o Cade. No Brasil, há vários
exemplos de mercados duais.
Uma parcela da indústria está na
formalidade e sujeita a encargos
absurdos; outra opera na ilegalidade e está condenada a nunca
crescer. Surgem casos de concorrência desleal que nada têm a ver
com os manuais dos países ricos.
Em segundo lugar, as barreiras
à entrada são maiores nas economias em desenvolvimento. De um
lado, porque a infra-estrutura é
precária. O Brasil tem uma área
15 vezes superior à da França e 23
vezes superior à da Alemanha,
mas tem uma malha ferroviária
equivalente à francesa (pouco
mais de 29 mil km) e inferior à
alemã (46 mil km). De outro lado,
há elevados custos de transação.
Enquanto na China um produto
leva 20 dias para ser exportado
depois de passar pelas burocracias alfandegárias, na Rússia leva
29, na Índia 36 e no Brasil são 39.
E na Dinamarca, apenas 5 dias!
Essa situação praticamente condena as pequenas e médias empresas ao desaparecimento ou à
informalidade. Isso, por sua vez,
diminui o grau de concorrência
dos mercados.
Em terceiro lugar, diferentemente de economias mais maduras, fusões e aquisições em países
em desenvolvimento podem gerar
ganhos de eficiência que não poderiam ser alcançados de outra
maneira. A distorção do passado
é tanta que as oportunidades de
ganho são muito maiores do que
aquelas que poderiam ser sonhadas nos países desenvolvidos.
Em quarto lugar, economias de
porte médio ou pequeno apresentam concentração mais elevada
para a maioria dos mercados relevantes, enquanto em economias
maiores o mercado geralmente é
mais pulverizado. Além disso, os
países em desenvolvimento passaram a ser afetados por fusões e
cartéis internacionais que exigem
cooperação nem sempre possível
com outras jurisdições.
Ninguém ousaria dizer que a
concorrência não é saudável. Como ensinou George Stigler da
Universidade de Chicago e Prêmio Nobel de Economia em 1982,
todo mundo acha que a concorrência é boa para os outros. Não
surpreende que os partidos políticos na América Latina tenham
dado relativamente pouca atenção à defesa de concorrência em
um contexto de problemas sociais
agudos. Uma voz de exceção é o
programa de governo da recém-eleita presidente do Chile, Michelle Bachelet.
O Brasil acordou na questão da
concorrência. Agora é preciso dotá-la de recursos adequados e implementá-la de acordo com as especificidades do país. Na defesa
da concorrência, como de resto
em várias áreas da política pública, é preciso copiar um clichê do
mundo corporativo multinacional: manter a visão global sem
perder o enfoque local.
Gesner Oliveira, 49, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), presidente do Instituto Tendências e ex-presidente do Cade. Atualmente, é professor visitante do Centro
de Estudos Brasileiros na Universidade
Columbia (EUA).
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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