|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Banca ataca Obama por "molecagem"
Pacote de Obama para limitar ação dos bancos é definido como populista na abertura do Fórum de Davos
Proposta dos EUA recebeu apoio de Nicolas Sarkozy e
de financistas como Soros e o presidente do Banco Central
Europeu, Jean-Claude Trichet
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS
Saiu a recessão global, a grande preocupação do encontro
2009 do Fórum Econômico
Mundial, entrou "populismo",
a palavra mais repetida ontem,
nas sessões inaugurais de 2010,
para definir pejorativamente o
pacote do presidente Barack
Obama para tentar controlar os
excessos do sistema financeiro.
A reação dos executivos da
banca foi tão violenta que
Charles Dallara, diretor-gerente do Instituto de Finanças Internacionais, que representa o
conjunto dos grandes bancos
globais, chegou a dizer à Folha
que Obama se comportara como "moleque", ao afirmar, como o fez na semana passada,
que, se os bancos quiserem briga, terão briga.
"Esse tipo de comportamento é o que eu tinha quando era
moleque, quando estava na oitava série", disparou Dallara.
Se a banca comprou a "briga"
com Obama, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, subiu
também ao ringue ao dedicar
praticamente todo o discurso
de inauguração do encontro de
Davos à crise e ao sistema financeiro. "Jogar com o dinheiro dos outros tornou-se a norma", disse Sarkozy.
Defendeu a intervenção do
Estado, que causa arrepios na
clientela de Davos, ao dizer que
"sem a intervenção do Estado
[na crise] haveria um colapso
total". Sem mencionar o pacote
Obama, Sarkozy insistiu na necessidade de mudanças no sistema financeiro, lançando uma
previsão sombria: "Ou fazemos
mudanças ou elas nos serão
impostas por uma crise social
ou política".
Um pouco de contexto para
entender o peso do lado privado do confronto: o IIF (a sigla
em inglês) reúne hoje mais de
375 instituições financeiras de
mais de 70 países, entre elas a
maioria dos grandes bancos comerciais e de investimento do
mundo, assim como um crescente número de companhias
de seguros e firmas de gerenciamento de investimento.
Dallara não ficou sozinho na
crítica a Obama e seu pacote,
mas os outros críticos preferiram falar em "populismo", caso, por exemplo, de Arif Naqvi,
executivo-chefe da Abraaj Capital, firma de investimentos
dos Emirados Árabes Unidos:
"O populismo está conduzindo
o jogo no momento".
Caso também de David Rubinstein, diretor-gerente do
Carlyle Group, que administra
cerca de US$ 90 bilhões em investimentos e que no início do
ano anunciou a compra da
CVC, maior operadora de turismo do Brasil. Rubinstein
ironizou o pacote Obama, mas
não acredita que ele possa ser
aprovado a curto prazo.
"O Congresso [dos EUA] não
aprovará nada agora e até que
fique claro qual o humor do público, se a favor do enfoque populista ou de um enfoque mais
centrista", que ele não especificou, mas que se supõe que seja
uma regulação "light".
O suposto populismo de
Obama tornou-se tão central
no debate que ofuscou a habitual discussão inaugural dos fóruns de Davos, que gira em torno do estado da economia
mundial.
Para isso contribuiu o fato de
que os participantes não tinham novidades, a tal ponto
que nenhum dos cinco outros
debatedores contestou Nouriel
Roubini, chamado de "Cassandra" pelo moderador, em alusão ao fato de que esse economista da Universidade de Nova
York foi o único que previu a
crise que começou em 2007,
invadiu 2008 e 2009 e ainda
não está totalmente domada.
A avaliação de Roubini é a de
que a recuperação nos Estados
Unidos, na Europa e no Japão é
frágil e que os chamados emergentes terão desempenho comparativamente melhor.
Obama, em todo o caso, não
ficou isolado na sua defesa do
que chamou de briga com os
bancos, mesmo antes de Sarkozy subir ao ringue: em entrevista ao "Wall Street Journal",
o presidente do Banco Central
Europeu, Jean-Claude Trichet,
havia dito que que as reformas
planejadas pela Casa Branca
"vão na mesma direção de nossa própria posição, ou seja, no
sentido de assegurar que o setor bancário tenha como foco
financiar a economia real".
Trichet, como todo banqueiro central, pode ser chamado
de quase tudo, menos de populista. Outra personalidade que
já foi acusada de quase tudo,
menos de populista, o megainvestidor George Soros, também saiu em defesa de Obama,
em almoço com jornalistas.
"Sou muito favorável [ao plano]", disse Soros, para acrescentar que o defeito dele não é
ser exageradamente intervencionista, mas, ao contrário, ser
insuficientemente.
Soros culpou diretamente o
sistema financeiro pela crise e
defendeu uma "radical reformulação na maneira de pensar
a forma como os mercados são
regulados", por mais que tenha
filosofado: "Todas as construções humanas são falíveis, logo
a regulação também é. Os reguladores [oficiais] podem falhar
mais [do que o mercado] porque estão sujeitos a influências
políticas".
O megainvestidor reconheceu que "todo o debate gira em
torno da regulação" e lamentou
que se tenha politizado. "Há
muito ressentimento político
porque os bancos saíram do
buraco à sua própria maneira",
apesar do dinheiro público investido, e por isso mesmo não
acham necessário mudar.
Charles Dallara, o porta-voz
do sistema financeiro, também
fala em ressentimento, mas do
lado da banca.
A Folha perguntou como ele
definiria "populismo", a palavra do dia. A sua resposta: "Populismo é não atacar os verdadeiros problemas e satanizar
os bancos".
Texto Anterior: Imóvel: Vendas da Cyrela aumentam 237% no 4º trimestre e somam R$ 2,23 bi Próximo Texto: Frase Índice
|