São Paulo, quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

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Banca ataca Obama por "molecagem"

Pacote de Obama para limitar ação dos bancos é definido como populista na abertura do Fórum de Davos

Proposta dos EUA recebeu apoio de Nicolas Sarkozy e de financistas como Soros e o presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS

Saiu a recessão global, a grande preocupação do encontro 2009 do Fórum Econômico Mundial, entrou "populismo", a palavra mais repetida ontem, nas sessões inaugurais de 2010, para definir pejorativamente o pacote do presidente Barack Obama para tentar controlar os excessos do sistema financeiro.
A reação dos executivos da banca foi tão violenta que Charles Dallara, diretor-gerente do Instituto de Finanças Internacionais, que representa o conjunto dos grandes bancos globais, chegou a dizer à Folha que Obama se comportara como "moleque", ao afirmar, como o fez na semana passada, que, se os bancos quiserem briga, terão briga.
"Esse tipo de comportamento é o que eu tinha quando era moleque, quando estava na oitava série", disparou Dallara.
Se a banca comprou a "briga" com Obama, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, subiu também ao ringue ao dedicar praticamente todo o discurso de inauguração do encontro de Davos à crise e ao sistema financeiro. "Jogar com o dinheiro dos outros tornou-se a norma", disse Sarkozy.
Defendeu a intervenção do Estado, que causa arrepios na clientela de Davos, ao dizer que "sem a intervenção do Estado [na crise] haveria um colapso total". Sem mencionar o pacote Obama, Sarkozy insistiu na necessidade de mudanças no sistema financeiro, lançando uma previsão sombria: "Ou fazemos mudanças ou elas nos serão impostas por uma crise social ou política".
Um pouco de contexto para entender o peso do lado privado do confronto: o IIF (a sigla em inglês) reúne hoje mais de 375 instituições financeiras de mais de 70 países, entre elas a maioria dos grandes bancos comerciais e de investimento do mundo, assim como um crescente número de companhias de seguros e firmas de gerenciamento de investimento.
Dallara não ficou sozinho na crítica a Obama e seu pacote, mas os outros críticos preferiram falar em "populismo", caso, por exemplo, de Arif Naqvi, executivo-chefe da Abraaj Capital, firma de investimentos dos Emirados Árabes Unidos: "O populismo está conduzindo o jogo no momento".
Caso também de David Rubinstein, diretor-gerente do Carlyle Group, que administra cerca de US$ 90 bilhões em investimentos e que no início do ano anunciou a compra da CVC, maior operadora de turismo do Brasil. Rubinstein ironizou o pacote Obama, mas não acredita que ele possa ser aprovado a curto prazo.
"O Congresso [dos EUA] não aprovará nada agora e até que fique claro qual o humor do público, se a favor do enfoque populista ou de um enfoque mais centrista", que ele não especificou, mas que se supõe que seja uma regulação "light".
O suposto populismo de Obama tornou-se tão central no debate que ofuscou a habitual discussão inaugural dos fóruns de Davos, que gira em torno do estado da economia mundial.
Para isso contribuiu o fato de que os participantes não tinham novidades, a tal ponto que nenhum dos cinco outros debatedores contestou Nouriel Roubini, chamado de "Cassandra" pelo moderador, em alusão ao fato de que esse economista da Universidade de Nova York foi o único que previu a crise que começou em 2007, invadiu 2008 e 2009 e ainda não está totalmente domada.
A avaliação de Roubini é a de que a recuperação nos Estados Unidos, na Europa e no Japão é frágil e que os chamados emergentes terão desempenho comparativamente melhor.
Obama, em todo o caso, não ficou isolado na sua defesa do que chamou de briga com os bancos, mesmo antes de Sarkozy subir ao ringue: em entrevista ao "Wall Street Journal", o presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, havia dito que que as reformas planejadas pela Casa Branca "vão na mesma direção de nossa própria posição, ou seja, no sentido de assegurar que o setor bancário tenha como foco financiar a economia real".
Trichet, como todo banqueiro central, pode ser chamado de quase tudo, menos de populista. Outra personalidade que já foi acusada de quase tudo, menos de populista, o megainvestidor George Soros, também saiu em defesa de Obama, em almoço com jornalistas.
"Sou muito favorável [ao plano]", disse Soros, para acrescentar que o defeito dele não é ser exageradamente intervencionista, mas, ao contrário, ser insuficientemente.
Soros culpou diretamente o sistema financeiro pela crise e defendeu uma "radical reformulação na maneira de pensar a forma como os mercados são regulados", por mais que tenha filosofado: "Todas as construções humanas são falíveis, logo a regulação também é. Os reguladores [oficiais] podem falhar mais [do que o mercado] porque estão sujeitos a influências políticas".
O megainvestidor reconheceu que "todo o debate gira em torno da regulação" e lamentou que se tenha politizado. "Há muito ressentimento político porque os bancos saíram do buraco à sua própria maneira", apesar do dinheiro público investido, e por isso mesmo não acham necessário mudar.
Charles Dallara, o porta-voz do sistema financeiro, também fala em ressentimento, mas do lado da banca.
A Folha perguntou como ele definiria "populismo", a palavra do dia. A sua resposta: "Populismo é não atacar os verdadeiros problemas e satanizar os bancos".


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