São Paulo, Quinta-feira, 28 de Janeiro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FÓRUM
Relatório da instituição diz que, como último recurso na crise, países podem restringir dinheiro estrangeiro
Banco Mundial admite controle de capital

CLÓVIS ROSSI
enviado especial a Davos

O Banco Mundial admite controles de capitais, desde que sejam temporários e adotados como último recurso em situação de crise.
É o que diz recente relatório da instituição sobre as perspectivas da economia mundial em 98/99, mencionado em seminário internacional por Uri Dadush, diretor do Grupo de Perspectivas de Desenvolvimento do Banco Mundial.
Dadush vai mais longe: acha que não se deve descartar a suspensão do pagamento da dívida externa, sob certas condições -uma tese que continua sendo anátema para o pensamento dominante nas organizações internacionais e nos meios financeiros.
O raciocínio de Dadush é o de que o exponencial aumento no fluxo de capitais privados para países em desenvolvimento, combinado com fragilidades nos sistemas financeiros domésticos, está na origem da crise que se iniciou na Ásia, passou para a Rússia e, agora, atinge o Brasil.
"Há bons argumentos para a restrição de fluxos de capital, pois não se pode consertar o sistema financeiro da noite para o dia", diz o técnico do Banco Mundial.
Além do aumento do fluxo (pulou de US$ 42 bilhões em 1990 para US$ 250 bilhões em 1996), surgiu outro fenômeno novo: os capitais vão do setor privado dos países em desenvolvimento para o setor privado dos mercados ditos emergentes, quando, antes, a participação dos governos e/ou instituições multilaterais era enorme nas duas pontas.
Como lidar com esse fenômeno e suas características até aqui desestabilizadoras tende a ser um dos pontos centrais na agenda do 29º encontro anual do Fórum Econômico Mundial, que se inicia hoje na cidadezinha de Davos, encravada nos Alpes suíços.
Até porque o Banco Mundial estará representado pelo seu vice-presidente sênior, Joseph Stiglitz, conhecido crítico das carências do sistema financeiro global para lidar com as sucessivas crises.
A situação brasileira, aliás, deu um forte empurrão para que a questão do controle dos capitais voltasse a ser discutida mesmo entre os países ricos.
É sintomático que outro dos convidados de Davos, o ministro francês das Finanças, Dominique Strauss-Kahn, tenha usado o caso brasileiro para dizer que, nas próximas reuniões do G-7 (o grupo dos sete países mais ricos do mundo) vai propor que se discutam "medidas de coordenação sobre a evolução dos mercados de câmbio, a fim de evitar desequilíbrios excessivos que afastem o valor da moeda dos fundamentos de cada economia".
A primeira oportunidade para Strauss-Kahn levar adiante a sua proposta se dará exatamente em Davos, amanhã pela manhã, em debate a que comparecerão pelo menos três outras altas autoridades de países do G-7 (Lawrence Summers, subsecretário do Tesouro norte-americano, Gordon Brown, ministro britânico do Tesouro, e Eisuke Sakakibara, vice-ministro japonês para Assuntos Financeiros Internacionais).
Há outras vozes que estarão em Davos e usam igualmente o Brasil para pedir "maior cooperação internacional na reforma da arquitetura financeira global".
É o caso de Tung Chee Hwa, executivo-chefe de Hong-Kong, hoje sob administração da China.
A pregação por uma nova arquitetura financeira global foi feita pelo presidente norte-americano Bill Clinton em discurso realizado na esteira da crise na Rússia, quando os primeiros respingos já ameaçavam o Brasil.
Os representantes oficiais brasileiros em Davos, os ministros Pedro Malan (Fazenda) e Luiz Felipe Lampreia (Relações Exteriores), certamente endossarão a tese, igualmente cara ao presidente Fernando Henrique Cardoso.
Mas o mais provável é que passem a maior parte do tempo dando explicações e garantias sobre o presente imediato. A inquietação óbvia entre os cerca de mil executivos de portentosas multinacionais que estarão em Davos é com a perspectiva de o Brasil se tornar incapaz de pagar sua dívida externa, encarecida na mesma proporção da desvalorização do real.
Ou seja, o Brasil está chegando à situação extrema em que até o Banco Mundial, um dos pilares do establishment, admite o controle sobre o fluxo de capitais.

Expectativa
O presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn, disse acreditar que o governo brasileiro conseguirá em breve pôr em prática reformas para estabilizar sua economia e honrar seus compromissos.


com agências internacionais



Texto Anterior: Veja abaixo a íntegra da carta
Próximo Texto: Summers quer políticas fortes
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.