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OPINIÃO ECONÔMICA
Mentiras e demagogias de um relatório
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Pretendia expor hoje minhas angústias e reflexões sobre os problemas do setor elétrico
e os caminhos propostos pelo governo Lula para recolocá-lo nos
trilhos. Entretanto a divulgação,
pelo Ministério das Comunicações, de críticas contundentes ao
projeto de reestruturação do setor
realizado pelo ministro Sérgio
Motta obriga-me a sair em sua
defesa. Faço isso com grande empenho, não só pelo absurdo dos
argumentos, mas também como
homenagem a meu grande amigo
que deu sua vida pela execução
do projeto.
O Ministério das Comunicações
decretou que a verdadeira revolução que aconteceu nas telecomunicações foi apenas um "pseudo-sucesso". Em 1995, quando Serjão
recebeu o ministério das mãos de
seu antecessor, o hoje senador
Antonio Carlos Magalhães, o
Brasil tinha cerca de 12 milhões
de telefones. O preço de uma linha era da ordem de R$ 3.000; o
de um celular, de mais de R$
5.000. Nessa situação, quase 90%
dos telefones pertenciam a empresas e a brasileiros das classes A
e B.
Hoje temos 74 milhões de telefones, divididos quase igualmente
entre terminais fixos e móveis,
um aumento de seis vezes no período de sete anos. Uma linha telefônica fixa é instalada em 48
horas e custa apenas R$ 50. Os celulares podem ser comprados até
em supermercados! Em 1995, o
número de telefones por mil habitantes no Brasil era menor do que
a média dos países da América
Latina; hoje, é 60% superior.
A reportagem do jornal "O Estado de S.Paulo" de 25 deste mês,
com o título "Brasileiros acessam
a internet como os usuários dos
países ricos", baseada em pesquisa realizada pelo Ibope, revela
que temos hoje 7,4 milhões de internautas ativos, um crescimento
de 24% em relação a 2001. A conta mensal de uma linha da internet é de R$ 40, e a pesquisa mostrou uma concentração de quase
90% nas classes A e B, apontando
o preço de um computador como
a causa principal dessa situação.
Mesmo diante desse quadro numérico inquestionável, o documento "vazado" pelo ministério
comandado pelo deputado brizolista Miro Teixeira clama por mudanças urgentes e radicais.
"Usando uma linguagem de palanque eleitoral", como bem disse
"O Estado de S.Paulo" em editorial da última quinta-feira, os assessores ocultos de Miro apontam
como a principal prova do fracasso a existência de mais de 10 milhões de linhas de telefones fixas
inativas. Dizem ainda que, hoje,
para cada linha telefônica ativada, uma é desligada por falta de
pagamento.
"O mingau de tolices", emprestando mais uma vez palavras do
editorial de "O Estado de S.Paulo", continua quando o relatório
afirma que as tarifas atuais, extorsivas e antipopulares, são as
grandes responsáveis por essa situação. Ao mesmo tempo revela
que apenas 30% das linhas telefônicas ativas são rentáveis para as
concessionárias de telefonia, o
que cria problemas de rentabilidade para o setor e pode inibir
novos investimentos para a expansão dos serviços. Essa combinação de linhas ociosas por falta
de capacidade de pagamentos e a
reduzida rentabilidade das empresas em razão do baixo valor
das contas de telefone seriam, segundo nossos críticos ocultos, a
prova inconteste da falência do
sistema.
Raciocinem comigo, meu leitor
da Folha: esses dois fatores
-apontados como sinais evidentes do fracasso da reforma realizada- têm sua origem na queda
de renda havida no Brasil durante os últimos quatro anos de mandato do presidente FHC, e não no
funcionamento do modelo atual
do sistema de telecomunicações.
Se o valor atual das tarifas -extorsivas, segundo o relatório-
fosse a causa da baixa utilização
do parque de telefones, não teríamos 70% das linhas abaixo do
custo marginal do serviço. Portanto, se de um lado a redução de
seu valor pudesse aumentar o número de usuários, por outro levaria as empresas a trabalhar no
prejuízo.
Outra prova do absurdo do raciocínio dos autores desse mingau
é o fato de que as tarifas fixadas
pela Anatel são valores máximos.
As concessionárias têm liberdade
para operar tarifas menores e, se
fosse esse o limitador da utilização das linhas ociosas, elas certamente estariam promovendo
campanhas para tentar trazer
seus antigos clientes de volta. Dada a racionalidade que comanda
a operação de empresas privadas,
se esse mecanismo não é utilizado, é porque sua operação seria
deficitária.
Uma pergunta deve ser feita,
então: por que estão sobrando linhas telefônicas para empresas
que operam buscando o lucro? A
resposta é muito simples: porque
os contratos de concessão obrigaram as concessionárias a atingir
índices de universalização dos
serviços fixados previamente pelo
Ministério das Comunicações. Essas metas, definidas em 1997 e
que deveriam ser atingidas em
quatro anos, foram construídas a
partir de estimativas que contemplavam um crescimento da renda
do brasileiro de 4% ao ano. Na
realidade tivemos, entre 1997 e
2002, uma queda da ordem de
20%.
A falta de crescimento econômico e críticas à política econômica
dos anos FHC não estão no documento. E não estão porque era de
interesse de seus autores buscar
dentro do modelo atual as causas
dessa subutilização do parque de
telefones. Os motivos dessa esperteza são claros para quem acompanha o dia-a-dia das questões
políticas: trazer de volta para o
ministério, esvaziado por Sérgio
Motta para evitar influência política nas empresas de telefonia, o
controle sobre o setor de telecomunicações, hoje nas mãos da
Anatel.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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