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PAULO RABELLO DE CASTRO
Geração mártir
O PAC, esboço de vontade de
ressuscitar o crescimento
como palavra-compromisso,
silencia sobre emprego jovem
FUI REVISITAR a estrutura e a
história do crescimento brasileiro no século 20 para preparar um debate técnico sobre o recém-anunciado PAC (Programa de
Aceleração do Crescimento). Apesar de bem conhecido, fiquei chocado com o aspecto estatístico do nosso desastre, que o jornal "Financial
Times", na semana passada, chamou, com picante humor inglês, de
país em processo de "submersão".
Os dados são, de fato, fulminantes
de qualquer otimismo. Na primeira
metade do século passado, o Brasil
viveu um grande surto de desenvolvimento, com base na riqueza agrícola-exportadora acumulada e mais
os incentivos novos à industrialização acelerada, que geram migrações
internas para centros urbanos absorvedores de mão-de-obra, até
analfabeta. Após crescer na faixa de
4% a 5% ao ano nas primeiras décadas, a taxa de crescimento nacional
salta para 6%, nos anos 50, em seguida vai a 7%, 8% e 9% ao ano (ritmo
"chinês" para aquela época), alternando o comando de governos ditatoriais com outros, escolhidos de
modo mais representativo. Havia,
independentemente do mandante e
do cargo, o "compromisso de crescer" e fazer o país andar rápido. Assim pensavam nossos pais, ensinados por nossos avós e bisavós.
Do final dos anos 70 até hoje, a linha do crescimento brasileiro sofre
um colapso vertical. Trágico. Que
parece, além do mais, definitivo,
quando se observa, após a queda
acentuada da curva, da faixa de 9% a
10% ao ano para nada mais que 2%, a
sua estabilização nesse nível tão baixo, nos últimos 15 anos (o período do
Plano Real). Há, portanto, 30 anos
exatos, desde quando se realizou a
quarta e última Conclap (Conferência Nacional das Classes Produtoras), em novembro de 1977, no Rio
de Janeiro, que as elites dirigentes
deste país se distanciaram do compromisso do crescimento, a tal ponto que conseguimos destruir completamente o vínculo de fidelidade
coletiva ao objetivo de crescer. Nossa geração simplesmente esqueceu a
lição de nossos pais e avós.
É penoso refletir que fomos nós os
perpetradores desse roubo da esperança, eu e você, que estamos na faixa dos 45 a 70 anos, aí incluído o presidente Lula, a maior parte de sua
equipe, os ministros dos tribunais
superiores do país, a grande maioria
dos congressistas recém-eleitos ou
reconduzidos, os governadores de
Estados. Somos a geração que matou o crescimento como idéia, o que
gera conseqüências muito mais graves do que apenas errar quando se
anuncia esta ou aquela política equivocada...
O trágico dessa história de um século é que a demografia nos foi madrasta. Após instalarmos a recessão
e o estancamento como método de
trabalho, nossa geração incompetente enfrenta a chegada do contingente de jovens adultos (na faixa de
20 a 24 anos) mais numeroso de todos os tempos no Brasil. São cerca
de 18 milhões de jovens nesse grupo
etário, buscando trabalho, mesmo
sem capacitação adequada. Quando
nossa geração, a de Lula e a minha,
passamos pela porta de entrada do
mercado de trabalho, nos anos 70,
éramos cerca de 7 milhões nesse
grupo de idade e o país crescia a quase 9% ao ano.
Hoje, conformamos uma nação
doente em que 18 milhões (só os de
20 a 24 anos, não computando os
grupos de 15 a 19 e de 25 a 29 anos)
são confrontados com um mercado
de trabalho estreito, super-regulamentado, exigente, que gera taxas de
desemprego de jovens em níveis superiores a 40%. O PAC, esboço de
vontade de ressuscitar o crescimento como palavra-compromisso, silencia sobre o tema de emprego jovem. Nossa geração continua fazendo a mímica do planejamento, por
trás de uma grande confusão mental
e moral.
Herdamos uma promessa, talvez
defeituosa, talvez incompleta. Terminamos por abandoná-la, em vez
de tentar enfrentar seus eventuais
defeitos. Nossa política e nossos políticos, apesar do formato de democracia, não representam mais, no
seu conteúdo, os anseios escondidos
da geração mártir de jovens -nossos filhos e netos- que, nas ruas, vão
matando e morrendo, enquanto
tentam recuperar o sentido da sobrevivência pessoal, sem nenhuma
esperança em nosso resgate.
O que parece ser uma reflexão dura, e até injusta -afinal, minha geração é especialista em explicações e
desculpas de toda sorte-, não nos livra da triste constatação estatística
do desenvolvimento perdido e das
dramáticas seqüelas sobre a geração
daqueles jovens para os quais investiremos, nos próximos anos, cada
vez mais, em instituições prisionais,
ao invés de empregos úteis.
PAULO RABELLO DE CASTRO, 58, doutor em economia
pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do
Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora
de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria
econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da
Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
rabellodecastro@uol.com.br
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