São Paulo, quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PAULO RABELLO DE CASTRO

Geração mártir

O PAC, esboço de vontade de ressuscitar o crescimento como palavra-compromisso, silencia sobre emprego jovem

FUI REVISITAR a estrutura e a história do crescimento brasileiro no século 20 para preparar um debate técnico sobre o recém-anunciado PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Apesar de bem conhecido, fiquei chocado com o aspecto estatístico do nosso desastre, que o jornal "Financial Times", na semana passada, chamou, com picante humor inglês, de país em processo de "submersão".
Os dados são, de fato, fulminantes de qualquer otimismo. Na primeira metade do século passado, o Brasil viveu um grande surto de desenvolvimento, com base na riqueza agrícola-exportadora acumulada e mais os incentivos novos à industrialização acelerada, que geram migrações internas para centros urbanos absorvedores de mão-de-obra, até analfabeta. Após crescer na faixa de 4% a 5% ao ano nas primeiras décadas, a taxa de crescimento nacional salta para 6%, nos anos 50, em seguida vai a 7%, 8% e 9% ao ano (ritmo "chinês" para aquela época), alternando o comando de governos ditatoriais com outros, escolhidos de modo mais representativo. Havia, independentemente do mandante e do cargo, o "compromisso de crescer" e fazer o país andar rápido. Assim pensavam nossos pais, ensinados por nossos avós e bisavós.
Do final dos anos 70 até hoje, a linha do crescimento brasileiro sofre um colapso vertical. Trágico. Que parece, além do mais, definitivo, quando se observa, após a queda acentuada da curva, da faixa de 9% a 10% ao ano para nada mais que 2%, a sua estabilização nesse nível tão baixo, nos últimos 15 anos (o período do Plano Real). Há, portanto, 30 anos exatos, desde quando se realizou a quarta e última Conclap (Conferência Nacional das Classes Produtoras), em novembro de 1977, no Rio de Janeiro, que as elites dirigentes deste país se distanciaram do compromisso do crescimento, a tal ponto que conseguimos destruir completamente o vínculo de fidelidade coletiva ao objetivo de crescer. Nossa geração simplesmente esqueceu a lição de nossos pais e avós.
É penoso refletir que fomos nós os perpetradores desse roubo da esperança, eu e você, que estamos na faixa dos 45 a 70 anos, aí incluído o presidente Lula, a maior parte de sua equipe, os ministros dos tribunais superiores do país, a grande maioria dos congressistas recém-eleitos ou reconduzidos, os governadores de Estados. Somos a geração que matou o crescimento como idéia, o que gera conseqüências muito mais graves do que apenas errar quando se anuncia esta ou aquela política equivocada...
O trágico dessa história de um século é que a demografia nos foi madrasta. Após instalarmos a recessão e o estancamento como método de trabalho, nossa geração incompetente enfrenta a chegada do contingente de jovens adultos (na faixa de 20 a 24 anos) mais numeroso de todos os tempos no Brasil. São cerca de 18 milhões de jovens nesse grupo etário, buscando trabalho, mesmo sem capacitação adequada. Quando nossa geração, a de Lula e a minha, passamos pela porta de entrada do mercado de trabalho, nos anos 70, éramos cerca de 7 milhões nesse grupo de idade e o país crescia a quase 9% ao ano.
Hoje, conformamos uma nação doente em que 18 milhões (só os de 20 a 24 anos, não computando os grupos de 15 a 19 e de 25 a 29 anos) são confrontados com um mercado de trabalho estreito, super-regulamentado, exigente, que gera taxas de desemprego de jovens em níveis superiores a 40%. O PAC, esboço de vontade de ressuscitar o crescimento como palavra-compromisso, silencia sobre o tema de emprego jovem. Nossa geração continua fazendo a mímica do planejamento, por trás de uma grande confusão mental e moral.
Herdamos uma promessa, talvez defeituosa, talvez incompleta. Terminamos por abandoná-la, em vez de tentar enfrentar seus eventuais defeitos. Nossa política e nossos políticos, apesar do formato de democracia, não representam mais, no seu conteúdo, os anseios escondidos da geração mártir de jovens -nossos filhos e netos- que, nas ruas, vão matando e morrendo, enquanto tentam recuperar o sentido da sobrevivência pessoal, sem nenhuma esperança em nosso resgate.
O que parece ser uma reflexão dura, e até injusta -afinal, minha geração é especialista em explicações e desculpas de toda sorte-, não nos livra da triste constatação estatística do desenvolvimento perdido e das dramáticas seqüelas sobre a geração daqueles jovens para os quais investiremos, nos próximos anos, cada vez mais, em instituições prisionais, ao invés de empregos úteis.


PAULO RABELLO DE CASTRO, 58, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

rabellodecastro@uol.com.br


Texto Anterior: Casa Branca diz se manter atenta aos mercados
Próximo Texto: Vinicius Torres Freire: Ano do porco ou ano do cão?
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.