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OPINIÃO ECONÔMICA
"Fome, Miséria e Imperialismo"
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR
Uma reminiscência infantil. O ano é 1967, 68, por aí.
Lá vou eu dentro do ônibus, com
os meus 12, 13 anos, a caminho do
colégio em Botafogo, no Rio. O
ônibus passa em frente ao cemitério São João Batista. Olho pela janela e vejo nos seus muros brancos, em letras garrafais: "FMI =
Fome, Miséria e Imperialismo".
Na época, alienado torcedor do
Fluminense e leitor do "Jornal dos
Sports" (inclusive das crônicas de
futebol do Nelson Rodrigues!),
não podia imaginar que esse tema desagradável iria me acompanhar até hoje.
Lembrei-me da pichação jurássica a propósito do papel do FMI
no colapso da moeda e da economia argentinas. Há quem sustente, com argumentos plausíveis e
mais ou menos sofisticados, que
esses slogans antiimperialistas estão todos ultrapassados. No entanto o FMI (leia-se: o Tesouro
dos EUA) não facilita o trabalho
desses comentaristas. Insiste em
comportar-se de forma truculenta e desestabilizadora. Decididamente, não é um mar de rosas a
vida do latino-americano "globalizado".
Na caso da Argentina, a atuação de Washington tem sido espantosa, mesmo para aqueles
que, como eu, pouco ou nada de
positivo esperam do FMI. Sintomaticamente, até o ministro Malan protestou, em público, contra
o tratamento que os argentinos
vêm recebendo.
O fator que mais contribuiu para desencadear a corrida contra o
peso nos últimos dias foi a multiplicação de indícios de que os
EUA e o FMI resolveram, definitivamente, adotar uma atitude de
grande intransigência em relação
à Argentina. A gota d'água foram
declarações duras do governo dos
EUA e da cúpula do FMI, associadas a novas exigências de ajustamento e reforma como precondição para o apoio financeiro de
emergência solicitado pela governo Duhalde.
Cristalizou-se a percepção de
que a "ajuda" financeira externa
vai demorar e será de proporções
modestas. Não envolverá, aparentemente, recursos adicionais,
mas apenas a liberação de recursos já outorgados à Argentina e
cuja liberação foi suspensa durante o governo De la Rúa. Suspeita-se que os desembolsos mal
darão para cobrir os compromissos de juros e amortizações que a
Argentina tem com o próprio
Fundo e outras entidades multilaterais sediadas em Washington.
E, ainda por cima, esse modesto
apoio financeiro está condicionado a uma extensa e severa lista de
exigências. Essa lista é do tipo
"open-ended" e parece crescer a
cada semana. As últimas versões
divulgadas pela imprensa argentina incluem, entre outros, os seguintes itens: a) flutuação pura e
livre do peso, para que a moeda
argentina encontre o seu "valor
de mercado"; b) medidas de restrição da oferta monetária; c) cortes adicionais de gastos do governo nacional; d) ajuste rigoroso
das Províncias, incluindo demissões de funcionários; e) resgate
urgente dos títulos que vêm servindo como financiamento emergencial para os governos provinciais; f) reestruturação dos bancos
oficiais, envolvendo fusões e participação de capital privado; g)
mudanças na lei de falências, levando em conta aspectos da legislação dos EUA; h) mudanças na
lei de "subversão econômica", em
vigor há mais de 25 anos, e que alguns juízes estão aplicando aos
bancos; i) mecanismos legais de
proteção aos bancos estrangeiros
na Argentina; e j) definições sobre
como será encaminhada a renegociação da parte da dívida externa que está em moratória.
Qualquer governo teria dificuldade de atender todas essas exigências. Nas condições da Argentina, com a economia em depressão, ameaçada de hiperinflação,
o sistema financeiro destroçado,
uma crise social e política da
maior gravidade, insistir rigidamente na adoção de um programa desse tipo chega às raias da
loucura.
E o pior, leitor, é que pode haver
método nessa loucura. A insistência do FMI na flutuação "pura",
sem intervenções, vem ao encontro do que seria, segundo se noticiou, a preferência de uma parte
da equipe do Banco Central, inclinada à dolarização total como
saída para a crise monetária.
Suspendendo as intervenções
cambiais, o Banco Central preservaria o nível de suas reservas em
moeda estrangeira, o que facilitaria posteriormente a recompra da
base monetária em pesos. O equivalente em dólares dessa base
monetária já foi drasticamente
reduzido pela brutal depreciação
do peso argentino. Porém, quanto
menor o nível das reservas maior
será a taxa de câmbio requerida
para viabilizar a recompra da base monetária e dolarizar integralmente a economia.
Oficialmente, o FMI e o governo
dos EUA não defendem e nem patrocinam a dolarização. O Equador, por exemplo, tomou esse rumo recentemente por decisão unilateral, isto é, sem acordo com a
Reserva Federal (Federal Reserve) ou garantias do governo dos
EUA. Entretanto, coincidência ou
não, como notou o último relatório anual da Comissão Econômica para a América Latina, "os recursos fornecidos pelo Fundo Monetário Internacional (...) foram
cruciais para que o Banco Central
consolidasse a dolarização da
economia [do Equador"".
Uma vez aplicada a castração
monetária, quem sabe se a lista
de exigências do FMI à Argentina
não sofreria uma súbita e misteriosa flexibilização?
Paulo Nogueira Batista Jr., 46, economista e professor da Fundação Getúlio
Vargas-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia
como Ela é..." (Boitempo Editorial).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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