São Paulo, terça-feira, 28 de março de 2006

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OPINIÃO ECONÔMICA

"Gigante pela própria natureza"

BENJAMIN STEINBRUCH

O "financial Times" publicou na semana passada (dia 21, pág.11) uma foto emblemática. Ao lado de um enorme poço, com uns dez metros de diâmetro, centenas de pessoas do Estado indiano de Gujarat tentam "pescar" água potável com jarros amarrados em cordas.
A foto ilustrava um texto sobre a falta de água, que, segundo a análise do jornal britânico, é um dos problemas que podem segurar o crescimento econômico da Índia, da China e da Ásia, em geral, nas próximas décadas. Volto ao tema dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) para enfatizar a idéia de que não faz sentido o Brasil continuar crescendo menos do que os outros três grandes emergentes da economia mundial.
China e Índia são os dois países mais populosos da Terra, ambos com mais de 1 bilhão de habitantes. Estão predestinados, portanto, a ser os grandes consumidores do século 21. Pela escassez de terras férteis e até pela exaustão de recursos hídricos -a produção de uma tonelada de grãos exige aproximadamente mil toneladas de água-, não podem ser pensados como supridores mundiais de alimentos e de produtos naturais. Essa tarefa caberá certamente ao Brasil e à Rússia, os dois grandes emergentes com recursos naturais abundantes e com grandes áreas disponíveis para a agricultura e para a produção de proteína animal.
China e Índia terão de importar um volume cada vez maior de alimentos por causa desse esgotamento de suas áreas de produção agrícola. No Brasil, os limites ainda estão muito distantes. Um estudo do Ministério da Agricultura mostra que existe uma área cultivada de 62 milhões de hectares no Brasil. Mas estão ocupados com pastagens outros 200 milhões de hectares, dos quais 90 milhões são aptos à agricultura. Ou seja, o país tem um potencial agrícola enorme, sem que precise avançar sobre áreas florestais da Amazônia Legal (Estados do Norte mais Maranhão e Mato Grosso). Em menos de dez anos, segundo o estudo, o país estará produzindo 170 milhões de toneladas de grãos, quase 30 milhões de toneladas de carnes de boi e de frango e 24 milhões de toneladas de açúcar -números conservadores, em minha opinião.
Há duas semanas, mostrei neste espaço que o Brasil começa a ficar para trás em relação aos outros Brics. De 2000 a 2006, deve crescer apenas cerca de 15%, bem menos que os 63% da China, os 43% da Índia e os 41% da Rússia. Não há razões objetivas para que essa inferioridade brasileira continue. Além de possuir recursos naturais maiores do que os demais grandes países, o Brasil é competitivo internacionalmente em vários setores, como mineração, metalurgia, veículos, aviões, madeira, papel e celulose, calçados, têxteis e uma enorme variedade de produtos agroindustriais, como açúcar, álcool e os derivados de soja.
O ex-premiê britânico John Major, que esteve no Brasil recentemente, lembrou duas vantagens brasileiras: as grandes reservas minerais, principalmente de ferro, e a auto-suficiência em petróleo, que está sendo alcançada neste momento. A questão energética não é simples para nenhum país. Mas, certamente, por depender mais de fontes externas, Índia e China têm a continuidade do seu crescimento econômico mais ameaçada do que o Brasil por essa variável. "Toda vez que você vê um chinês no exterior, ele tenta assinar um acordo sobre energia", disse Major. Na semana passada, durante a visita de Vladimir Putin à China, a Rússia se comprometeu a construir uma rede de gasodutos para ligar os campos produtores da Sibéria ao território chinês.
Nas áreas de papel, celulose e madeira, o Brasil também é considerado o grande fornecedor do futuro, pelo fator clima e pela excelente produtividade das florestas cultivadas -40 m3 de madeira por hectare/ano, em comparação com 25 m3 no Uruguai, 20 m3 na Indonésia e 15 m3 nos EUA.
Não existe razão, portando, para o cultivo de nenhum complexo de inferioridade brasileiro em relação aos Brics. Se o Brasil der prioridade a políticas de crescimento e a planos que resgatem uma mentalidade desenvolvimentista, terá condição de crescer de forma tão sustentada quanto China, Índia ou Rússia. Ou mesmo ganhar essa corrida ao longo das próximas décadas.
Hoje, o Brasil é a 14ª economia do mundo, levando em conta o PIB a preços de mercado. Segundo um estudo da Confederação Nacional da Indústria, se o país mantiver o atual ritmo de crescimento, levará cem anos para atingir o nível de renda que a Coréia tem hoje. Sai, urucubaca!
Prefiro apostar em outro estudo, da PriceWaterHouseCoopers, publicado pela Folha (4 deste mês, pág. B3), o qual previa que o Brasil poderá ser a 5ª economia do mundo em 2050, superado apenas por EUA, China, Índia e Japão. É uma previsão perfeitamente realizável. Basta acreditar na evidência de que o país, em várias áreas, como diz o hino, é "gigante pela própria natureza".


Benjamin Steinbruch, 52, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
E-mail - bvictoria@psi.com.br


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