São Paulo, Domingo, 28 de Março de 1999
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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Exportação de emergentes causa um círculo vicioso

GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas

O dólar está recuando, a inflação tem sido surpreendentemente baixa, os juros começaram a cair e o governo já admite que está entrando no mercado para evitar uma revalorização muito rápida do real. Uma peça, entretanto, parece não encaixar nesse roteiro de normalização da situação econômica brasileira: as exportações estão demorando a reagir.
Surge assim uma espécie de arritmia econômica. No curto prazo, as coisas melhoram. Mas a recuperação da capacidade de crescimento e financiamento, ou seja, as bases do longo prazo, está ainda longe de uma restauração.
Há várias e crescentes dificuldades impedindo uma recuperação mais rápida das exportações, que seria o caminho para a geração de saldos comerciais, vitais para trazer dólares que não dependam de juros altos e benefícios fiscais.
Em parte, os problemas vêm dos países desenvolvidos. Os EUA, por exemplo, estão passando por uma das mais fortes fases protecionistas de sua história recente. As suas importações de aço não param de cair e o Congresso aprovou medidas contra o que os políticos consideram "dumping" dos emergentes.
Mas, em boa medida, os problemas são gerados pela própria crise nos emergentes. No momento mesmo em que ocorrem as crises cambiais que, até certo ponto, acontecem porque as contas externas estavam desequilibradas, os mercados reagem antecipando uma inundação de produtos baratos, postos à venda pelo país em crise.
No caso de mercadorias agrícolas, o efeito é uma depressão imediata dos preços (afinal, os mercados interpretam que haverá um excesso de oferta).
Com a queda nos preços, os exportadores dos países emergentes precisam vender mais quantidades se quiserem gerar a mesma receita em dólares.
Resultado: a "profecia" dos mercados se realiza, ou seja, ocorre mesmo um excesso de oferta, o que leva os preços a caírem mais, dificultando novamente a geração de receitas em dólares para os países em crise.
Esse excesso de oferta torna-se ainda mais agudo num contexto de queda no crescimento ou mesmo recessão em vários mercados importantes, nos países desenvolvidos e nos antigos emergentes.
A Ásia, por exemplo, que nas últimas duas décadas vinha funcionando como uma espécie de devorador global de commodities agrícolas, continua patinando.
A Rússia, além de ter reduzido muito seu consumo, tornou-se também um necessitado fornecedor de mercadorias, numa busca desesperada por dólares.
Nesse contexto, a notícia de que o Brasil terá uma safra agrícola recorde nesse ano, se pode ajudar no combate à inflação, apenas piora as coisas quando se trata de examinar as perspectivas de exportação. Afinal, é mais oferta.
Em alguns casos, o efeito da oferta brasileira chega a ser dramático, como no do açúcar (o país tem 14% do mercado global). Para complicar, houve uma queda importante no consumo de álcool combustível na economia brasileira nos últimos anos, o que contribui para aumentar ainda mais a oferta do produto.
Voltamos assim a debates antigos, dos anos 40 e 50, quando alguns economistas denunciavam a desigualdade fundamental do comércio entre as nações. Os pobres exportam bens cujos preços tendem a ser vítimas do dinamismo do próprio mercado. Enquanto isso, os países ricos dominam as fronteiras tecnológicas da produção industrial e de serviços.
É, portanto, ótimo que estejamos em plena fase de alívio depois da trapalhada cambial. Mas, para melhor avaliar o seu alcance, é oportuno lembrar de velhas limitações estruturais.


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