São Paulo, terça, 28 de abril de 1998

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OPINIÃO ECONÔMICA
Salário mínimo: por que parou?

CARLINDO RODRIGUES DE OLIVEIRA
CLÊNIO GERALDO CHAVES


Maio chegando, não dá para esquecer do salário mínimo. Mas, há quatro anos, o presidente Fernando Henrique Cardoso disse que promoveria a duplicação de seu poder aquisitivo. O que, se não resolveria a situação de pobreza daqueles que o recebem ou que recebem salários próximos dele, já significaria um passo importante numa trajetória de recuperação de seu valor real.
Passados esses anos, os resultados concretos são desestimulantes. E revelam uma mudança de intenções no meio do caminho, quem sabe um arrependimento. Ou, pior, uma nova versão para um tristemente conhecido pedido "esqueçam o que eu prometi".
Em termos salariais, o Plano Real se propunha, com a criação da URV (Unidade Real de Valor), à manutenção do poder aquisitivo médio dos salários no quadrimestre anterior a março de 1994. Esse parece ser, portanto, um bom período para ser tomado como base de comparação, sem desprezo pela constatação de que os valores daquela época já indicavam perdas enormes em relação a outros períodos históricos, especialmente no final da década de 50.
Se observamos o que ocorreu com o salário mínimo de novembro de 1993 para cá, com base na evolução do Índice do Custo de Vida (estrato inferior) calculado pelo Dieese, veremos que sua trajetória passa por quatro distintos momentos.
No primeiro momento, a média em URV do quadrimestre nov/93 a fev/94 foi a referência para a fixação do salário mínimo em 64,79 URVs em março de 1994, valor que se pretendia garantir a partir daí e que serviria de base para uma política de recuperação real.
A persistência da inflação entre março e junho/94 (inflação em URV) e mesmo após a criação do real determinou um segundo momento na trajetória do salário mínimo. Mesmo com o pequeno reajuste para RÏ 70 ocorrido em setembro/94, o salário mínimo real médio do período compreendido entre março/94 e abril/95 registra uma perda de 7,88% em relação ao quadrimestre anterior à criação da URV.
Em 1º de maio de 1995, porém, um aumento nominal de 42,86% elevou o salário mínimo para RÏ 100, recuperando a perda anterior e elevando o poder aquisitivo em 18% no seu primeiro mês de vigência. Mas a inflação nesse terceiro momento, que se estende pelos 12 meses seguintes, ainda foi alta (20,53%), limitando o aumento do salário mínimo real médio a 6,84% em relação ao quadrimestre anterior a março de 94.
Um fato, entretanto, merece a atenção. Contrariando um discurso tantas vezes repetido nos anos anteriores de que aumentos de salários eram incompatíveis com o combate à inflação, foi possível observar a ocorrência simultânea de um aumento nominal de 43% no salário mínimo e da queda da inflação, de 24,68% nos 12 meses terminados em abril/95 para 20,54% nos 12 meses seguintes.
De lá para cá, o salário mínimo teve sua recuperação real virtualmente abandonada. Os reajustes ocorridos anualmente, em maio de 96 e maio de 97, foram suficientes apenas para manter o poder aquisitivo alcançado no período maio/95 a abril/96, configurando o quarto momento de sua trajetória recente.
Com efeito, no período de maio/96 a abril/97, o salário mínimo real médio recua discretamente para um patamar 6,47% superior ao do quadrimestre anterior a março/94, voltando a se elevar ligeiramente para 8,06% nos últimos 12 meses terminados agora, em abril/98.
Observe-se que a manutenção e até uma pequena elevação do salário mínimo real nos últimos dois anos ocorreu mesmo diante de reajustes anuais inferiores à variação acumulada do custo de vida nos 12 meses anteriores. Isso se tornou possível devido à trajetória declinante das taxas de inflação.
Nem mesmo o anunciado aumento do salário mínimo para RÏ 130 a partir de 1º de maio próximo será capaz de alterar substancialmente o quadro descrito. Considerando-se uma estimativa de 4% de inflação para os próximo 12 meses, o salário mínimo real médio do período maio/98 a abril/99 ficará 12,61% acima do patamar verificado no início do Plano Real. Nada parecido com a promessa de dobrar o seu valor. E ainda longe do valor que vigora em países vizinhos, como a Argentina, onde o mínimo vale US$ 195.
As justificativas para o abandono da política de recuperação do valor real do salário mínimo não têm sido diferentes das de outras épocas. Fala-se, por exemplo, na perda de importância do salário mínimo como representativo da remuneração da força de trabalho.
Esquece-se, contudo, de mais de 10 milhões de segurados da Previdência Social que recebem seus proventos baseados no salário mínimo, dos milhões de trabalhadores que recebem um pouco mais que um salário mínimo e daqueles que, no mercado informal, têm seus rendimentos referenciados nesse valor.
Insiste-se, acima de tudo, no impacto que eventuais reajustes teriam sobre a Previdência Social e sobre as finanças dos Estados e municípios. Não há dúvida de que esse impacto é real e nada desprezível. Mas o que tem sido feito nesse tempo todo para que esse gargalo seja desfeito?


Carlindo Rodrigues de Oliveira, 40, é economista, mestre em ciência política pela UFMG e técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
E-mail: dieesemg@ax.apc.org
Clênio Geraldo Chaves, 24, é estudante de economia na UFMG e auxiliar-técnico do Dieese.





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