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OPINIÃO ECONÔMICA
A difícil convivência com a ignorância
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Os deuses não me premiaram com a virtude da paciência, quando lido com o despreparo profissional de outras pessoas. Como, ao longo de minha já
longa carreira, aventurei-me com
entusiasmo em vários campos da
atividade humana -economia,
mercados financeiros e, mais recentemente, jornalismo-, minha
postura sempre crítica em relação
ao irracional acabou me rendendo um número muito grande de
críticos.
Em momentos como o que estamos vivendo, essa minha agressividade analítica manifesta-se de
forma ainda mais intensa. O nível
de despreparo de economistas e
jornalistas para entender o que está acontecendo é absolutamente
incrível. Confesso que poucas vezes os erros de análise, de pessoas
que lidam com a opinião pública e
as expectativas da sociedade, atingiram um nível tão absurdo como
agora.
Como na sociedade moderna vivemos todos -ou quase todos os
que realmente contam- ligados
on-line, essa incapacidade de entender o que está ocorrendo é terrivelmente perigosa. Quase entramos em uma crise terminal na semana passada! Felizmente, para
todos nós, a direção do Banco
Central foi eficiente nas suas ações
recentes e limitou os danos que
poderiam ser criados pelos comentários sem sentido e, em alguns casos, pela má-fé de terceiros.
Procurando trazer a meu leitor
da Folha um pouco de racionalidade para entender o momento
que estamos vivendo, pretendo
hoje refletir sobre as origens da
crise atual. Elas são profundas e
estão entre nós há muito tempo.
Os objetivos de longo prazo definidos pela equipe do ministro Malan, depois da estabilização de
nossa economia em 1996, eram
ambiciosos. Previam para o Brasil
uma economia de mercado nos
moldes da que existe nos EUA,
com liberdade total para a ação
dos agentes privados e uma presença muito limitada do Estado.
Embora nunca explicitado de maneira clara pelo governo, esse era o
rumo que unificava as ações de reformas institucionais e da ação
administrativa de seus vários braços operacionais.
Entre o plano de vôo traçado e a
realidade do país havia uma armadilha que não foi devidamente
entendida pelos estrategistas de
Brasília: a sociedade brasileira
real não é a americana. Muito
contribuiu para esse terrível erro
de análise o entusiasmo com os resultados iniciais do Plano Real. A
adesão maciça dos brasileiros ao
governo FHC era circunstancial,
motivada pelo término do pesadelo da hiperinflação controlada dos
anos anteriores a 1994. Não havia,
entretanto, uma percepção clara
do que realmente estava por trás
da ação do governo. Os brasileiros
queriam uma economia estável e
estavam preparados para alguns
sacrifícios que permitissem a perenização da estabilidade monetária. Mas exigiam uma melhoria
nas condições de vida, com emprego e rendas crescentes no longo
prazo.
Enquanto essa fatura ficou dentro de uma gaveta do tempo, o governo teve condições políticas e de
opinião pública para tocar o seu
projeto. E aí as suas inconsistências estruturais começaram a definir o quadro de crise de hoje. A
mais importante delas foi a existência de limitações objetivas no
funcionamento de nosso tecido
econômico, que impunham limites à racionalidade do modelo
adotado. Mercados ineficientes e
limitados por uma institucionalidade velha conflitavam com os
principais princípios teóricos exigidos. Também jogou contra o entusiasmo ideológico da equipe
econômica de FHC a realidade
dos mercados internacionais, submetidos a restrições importantes
no seu funcionamento racional.
Chegamos ao ano eleitoral de
2002 com uma economia vulnerável, sem crescimento e com a renda dos brasileiros estagnada. Com
uma oposição agressiva e mais
bem preparada para enfrentar
um novo embate eleitoral, era previsível, mesmo para o mais limitado dos analistas, que tivéssemos
dificuldades. A eventualidade de
uma vitória de um grupamento
político com uma ideologia confusa; uma história complicada; nenhuma experiência de gestão macroeconômica; e principalmente
um discurso hostil aos mercados
financeiros e ao mundo globalizado certamente traria um nervosismo irracional. Para um país que
precisa captar mais de US$ 50 bilhões todo ano, uma crise de nervos como essa poderia ser gravíssima.
Mas o governo continuou na sua
posição autista e imperial em relação à sociedade. Apertou ainda
mais as metas de inflação, decidiu
implantar um novo regime de liquidação de pagamentos no sistema financeiro, liberou a Petrobras
de qualquer regra na fixação dos
preços dos derivados de petróleo e
resolveu devolver antecipadamente US$ 4 bilhões ao FMI.
Quando o candidato Lula disparou nas pesquisas em razão de seu
eficiente programa eleitoral, o céu
desabou sobre todos nós. A visão
do inferno pelos mercados foi suficiente para destruir a quimera
ideológica dos últimos anos. Voltamos ao limbo dos países inviáveis, apesar de todos os nossos méritos acumulados, nos últimos
anos.
A histeria dos últimos dias, com
a irracionalidade dominando as
manifestações públicas, aqui e no
exterior, é o custo elevado que estamos pagando pelos erros do governo. Felizmente nossa realidade
política, com uma institucionalidade de comunicação dos candidatos com a sociedade muito boa,
está permitindo que um debate
mais claro sobre as alternativas
disponíveis se estabeleça. O PT está sendo obrigado a assumir compromissos administrativos, que
devem levar o partido a um posicionamento mais eficiente no caso
de uma vitória em novembro. Por
outro lado, os riscos de sua vitória
também vão permeando a sociedade. Mas só o resultado eleitoral
vai tirar o Brasil da situação instável que estamos vivendo. O resto
é espuma!
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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