São Paulo, terça-feira, 28 de junho de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

Chineses são mais perigosos que japoneses

PAUL KRUGMAN

Quinze anos atrás, quando empresas japonesas estavam ocupadíssimas adquirindo porções das maiores empresas norte-americanas, fui uma das vozes que insistiam em que os norte-americanos não tinham motivo para pânico. Portanto seria de esperar que eu assumisse posição igualmente tranqüilizadora agora, quando são os chineses que agem dessa maneira. Mas o desafio chinês -como demonstram as ofertas feitas pela Maytag e pela Unocal- parece muito mais sério do que o japonês foi.
Não existe nada de intrinsecamente chocante no fato de que compradores chineses estejam agora tentando assumir o controle de empresas norte-americanas. Afinal, não existe nenhuma lei natural que determine que os norte-americanos sempre estarão no comando. O poder em geral termina nas mãos daqueles que detêm as chaves do cofre. Os EUA, que importam muito mais do que exportam, têm vivido há anos com base em fundos emprestados, e recentemente a China vem adquirindo muitas dessas obrigações norte-americanas.
Até agora, os chineses vinham investindo primordialmente em títulos do Tesouro dos EUA. Mas os bônus não oferecem índices elevados de retorno ou controle sobre como o dinheiro será gasto. A única razão para que a China adquirisse muitos papéis do Tesouro norte-americano é que eles representam proteção contra a especulação cambial, e no momento as reservas cambiais chinesas em dólares são tão altas que um ataque especulativo contra o dólar parece muito mais provável do que um ataque especulativo contra o yuan.
Assim, era previsível que, mais cedo ou mais tarde, os chineses deixassem de comprar tantos títulos públicos denominados em dólares. Ou eles deixariam de vez de comprar as obrigações norte-americanas, causando queda do dólar, ou deixariam de se satisfazer com o papel de financistas passivos e exigiriam o poder que só a propriedade oferece. E deveríamos nos sentir aliviados porque, pelo menos por enquanto, os chineses decidiram manter seus dólares; decidiram usá-los para adquirir empresas norte-americanas.
No entanto há dois motivos para que o investimento chinês nos EUA hoje pareça diferente do investimento japonês 15 anos atrás.
Uma diferença é que, a julgar pelas indicações iniciais, os chineses não desperdiçarão seu dinheiro como os japoneses fizeram.

Prestígio
Os japoneses, na época, optaram por investimentos "de prestígio" -adquiriram o Rockfeller Center, estúdios de cinema-, os quais acarretavam grandes transferência de dinheiro para os vendedores norte-americanos, mas jamais geraram grandes retornos para os compradores. O resultado era, na prática, como um subsídio aos Estados Unidos.
Os chineses parecem mais astutos do que isso. Embora a Maytag seja um pedaço da história empresarial dos EUA, não é por prestígio que a Haier, fabricante chinesa de eletrodomésticos, deseja adquiri-la. Em lugar disso, a aquisição representa uma maneira razoável de adquirir uma marca conhecida e uma rede de distribuição que sirva à crescente capacidade de produção da Haier.
Isso não significa que os EUA sairão perdendo com a transação. Os acionistas da Maytag ganharão, e a empresa provavelmente demitirá menos operários americanos sob controle chinês do que faria em outra situação. Mas a transação não será tão unilateral quanto as vendas aos japoneses foram, na maioria dos casos.
A mais importante diferença com relação ao investimento japonês é que a China, diferentemente do Japão, realmente parece estar emergindo como rival estratégica dos EUA e concorrente na busca por recursos escassos, o que torna a outra grande oferta chinesa da semana mais do que uma simples proposta de negócios.
A China National Offshore Oil Corporation, empresa na qual o governo chinês detém participação de 70%, quer adquirir o controle da Unocal, uma empresa de energia de alcance mundial. Um ponto especialmente importante é que a Unocal tem um histórico -estranhamente ignorado nas reportagens sobre a oferta chinesa- de fazer negócios com regimes problemáticos em lugares difíceis, incluindo a junta militar birmanesa e o Taleban. Uma indicação do alcance da empresa: Zalmay Khalilzad, que foi embaixador dos Estados Unidos no Afeganistão durante 18 meses e acaba de ser confirmado como embaixador em Bagdá, era consultor da Unocal.

Grande jogo
A Unocal parece, em outras palavras, exatamente o tipo de empresa que o governo chinês desejaria controlar se quisesse entrar em uma espécie de "grande jogo" no qual as grandes potências econômicas iniciariam uma corrida pelos recursos mais remotos de petróleo e gás natural (comprar uma empresa é muito mais barato, em termos de dinheiro e vidas, do que invadir um país produtor de petróleo). Assim, a história da Unocal ganha ressonância especial com relação à mais recente alta nos preços de petróleo.
Se a decisão fosse minha, eu impediria a concretização da compra da Unocal pelos chineses. Mas seria muito mais fácil assumir essa posição se os EUA não dependessem tanto da China no momento, não só como compradora de papéis mas para nos ajudar a lidar com a Coréia do Norte agora que nossas Forças Armadas parecem atoladas no Iraque.


Tradução de Paulo Migliacci

Paul Krugman, economista, é colunista do "New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Este artigo foi publicado originalmente no "New York Times".


Texto Anterior: Comércio exterior: Balança comercial registra maior superávit para uma semana no ano
Próximo Texto: Na rede: Hollywood ganha ação crucial para internet
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.