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ARTIGO
Chineses são mais perigosos que japoneses
PAUL KRUGMAN
Quinze anos atrás, quando
empresas japonesas estavam
ocupadíssimas adquirindo porções das maiores empresas norte-americanas, fui uma das vozes
que insistiam em que os norte-americanos não tinham motivo
para pânico. Portanto seria de esperar que eu assumisse posição
igualmente tranqüilizadora agora, quando são os chineses que
agem dessa maneira. Mas o desafio chinês -como demonstram
as ofertas feitas pela Maytag e pela
Unocal- parece muito mais sério do que o japonês foi.
Não existe nada de intrinsecamente chocante no fato de que
compradores chineses estejam
agora tentando assumir o controle de empresas norte-americanas.
Afinal, não existe nenhuma lei natural que determine que os norte-americanos sempre estarão no
comando. O poder em geral termina nas mãos daqueles que detêm as chaves do cofre. Os EUA,
que importam muito mais do que
exportam, têm vivido há anos
com base em fundos emprestados, e recentemente a China vem
adquirindo muitas dessas obrigações norte-americanas.
Até agora, os chineses vinham
investindo primordialmente em
títulos do Tesouro dos EUA. Mas
os bônus não oferecem índices
elevados de retorno ou controle
sobre como o dinheiro será gasto.
A única razão para que a China
adquirisse muitos papéis do Tesouro norte-americano é que eles
representam proteção contra a especulação cambial, e no momento as reservas cambiais chinesas
em dólares são tão altas que um
ataque especulativo contra o dólar parece muito mais provável do
que um ataque especulativo contra o yuan.
Assim, era previsível que, mais
cedo ou mais tarde, os chineses
deixassem de comprar tantos títulos públicos denominados em
dólares. Ou eles deixariam de vez
de comprar as obrigações norte-americanas, causando queda do
dólar, ou deixariam de se satisfazer com o papel de financistas
passivos e exigiriam o poder que
só a propriedade oferece. E deveríamos nos sentir aliviados porque, pelo menos por enquanto, os
chineses decidiram manter seus
dólares; decidiram usá-los para
adquirir empresas norte-americanas.
No entanto há dois motivos para que o investimento chinês nos
EUA hoje pareça diferente do investimento japonês 15 anos atrás.
Uma diferença é que, a julgar
pelas indicações iniciais, os chineses não desperdiçarão seu dinheiro como os japoneses fizeram.
Prestígio
Os japoneses, na época, optaram por investimentos "de prestígio" -adquiriram o Rockfeller
Center, estúdios de cinema-, os
quais acarretavam grandes transferência de dinheiro para os vendedores norte-americanos, mas
jamais geraram grandes retornos
para os compradores. O resultado
era, na prática, como um subsídio
aos Estados Unidos.
Os chineses parecem mais astutos do que isso. Embora a Maytag
seja um pedaço da história empresarial dos EUA, não é por prestígio que a Haier, fabricante chinesa de eletrodomésticos, deseja
adquiri-la. Em lugar disso, a aquisição representa uma maneira razoável de adquirir uma marca conhecida e uma rede de distribuição que sirva à crescente capacidade de produção da Haier.
Isso não significa que os EUA
sairão perdendo com a transação.
Os acionistas da Maytag ganharão, e a empresa provavelmente
demitirá menos operários americanos sob controle chinês do que
faria em outra situação. Mas a
transação não será tão unilateral
quanto as vendas aos japoneses
foram, na maioria dos casos.
A mais importante diferença
com relação ao investimento japonês é que a China, diferentemente do Japão, realmente parece
estar emergindo como rival estratégica dos EUA e concorrente na
busca por recursos escassos, o que
torna a outra grande oferta chinesa da semana mais do que uma
simples proposta de negócios.
A China National Offshore Oil
Corporation, empresa na qual o
governo chinês detém participação de 70%, quer adquirir o controle da Unocal, uma empresa de
energia de alcance mundial. Um
ponto especialmente importante
é que a Unocal tem um histórico
-estranhamente ignorado nas
reportagens sobre a oferta chinesa- de fazer negócios com regimes problemáticos em lugares difíceis, incluindo a junta militar
birmanesa e o Taleban. Uma indicação do alcance da empresa: Zalmay Khalilzad, que foi embaixador dos Estados Unidos no Afeganistão durante 18 meses e acaba
de ser confirmado como embaixador em Bagdá, era consultor da
Unocal.
Grande jogo
A Unocal parece, em outras palavras, exatamente o tipo de empresa que o governo chinês desejaria controlar se quisesse entrar
em uma espécie de "grande jogo"
no qual as grandes potências econômicas iniciariam uma corrida
pelos recursos mais remotos de
petróleo e gás natural (comprar
uma empresa é muito mais barato, em termos de dinheiro e vidas,
do que invadir um país produtor
de petróleo). Assim, a história da
Unocal ganha ressonância especial com relação à mais recente alta nos preços de petróleo.
Se a decisão fosse minha, eu impediria a concretização da compra da Unocal pelos chineses. Mas
seria muito mais fácil assumir essa posição se os EUA não dependessem tanto da China no momento, não só como compradora
de papéis mas para nos ajudar a lidar com a Coréia do Norte agora
que nossas Forças Armadas parecem atoladas no Iraque.
Tradução de Paulo Migliacci
Paul Krugman, economista, é colunista
do "New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Este artigo
foi publicado originalmente no "New
York Times".
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