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LUÍS NASSIF
Realidade e impressões
Não fosse trágico, o quadro político atual seria sumamente curioso, como tema
para teses sociológicas. A cada
dia que passa surgem mais indicadores positivos na economia.
A cada dia que passa mais aumenta a catarse contra FHC,
um sentimento difuso e barulhento de ódio, expresso nas cartas de leitores e nas denúncias
de jornais, em torno do episódio
Eduardo Jorge e do caso Marka.
De objetivo tem-se até agora o
tráfico de influência exercido
pelo ex-secretário depois de sair
do governo, algo que pode ser
julgado de acordo com princípios éticos, mas não penais. Nada impede que amanhã apareçam provas concretas de que
Eduardo Jorge prevaricou ou
cometeu crimes. Por enquanto o
que se sabe é que ele se beneficiou, depois que saiu do governo, da influência que teve antes
-procedimento do qual se valeu parte expressiva dos homens
que ocuparam cargos influentes
nos últimos anos.
Agora qualquer coisa que
apareça é utilizada para incriminá-lo -até uma fita gravada
com a voz de Eduardo Jorge
aparece em franca conspiração
com um diretor de fundo de
pensão... em defesa da moralidade pública.
É evidente que é preciso disciplinar o uso da influência pública por parte de quem exerceu o
poder. A questão da quarentena
vale para membros da equipe
econômica e para qualquer outro membro influente do governo. Além disso, é evidente que,
apurando-se qualquer coisa objetiva contra Eduardo Jorge,
não haverá como fugir da responsabilidade funcional de
FHC sobre seu subordinado.
Mas não há nada que comprove, minimamente, que FHC
teve participação em nenhum
episódio escuso. Essa evidência é
admitida por qualquer liderança oposicionista racional, de José Genoino a Ciro Gomes.
No entanto a cada dia que
passa sobe um tom na escala de
acusações e procede-se a um patrulhamento tão intenso que levou meu colega Clóvis Rossi
-insuspeito de ser simpático ao
governo FHC- a se explicar
por que afirmou que FHC não é
Fernando Collor.
O grande problema é que esse
quadro que o país atravessa pode ser debitado, em parte, à sede
de sensacionalismo, a alianças
entre procuradores exibicionistas e mídia carente de manchetes e a revanchismo político.
Mas o responsável maior e a
grande vítima do processo é o
próprio FHC.
Paga-se agora por todos os pecados cometidos no primeiro
mandato, o maior dos quais foi
a soberba, seguido pela preguiça.
Durante quatro anos a população pagou o sacrifício por
acreditar que o caminho para o
céu passava por políticas cambial e monetária, que quebraram empresas, Estados e consumidores. Inimigos daquela política foram acusados de integrantes do arco do anacronismo
e aí por diante. Em nome dessa
bandeira única, FHC se permitiu manter um ministério inoperante, que funcionava apenas
em pontos específicos, por mérito exclusivo de um ou outro ministro.
FHC foi reeleito no final de
1998. No início de 1999 o câmbio
explodiu. Aí seu comportamento público o liquidou. No dia seguinte, o discurso de FHC era
contra aqueles que defendiam a
manutenção do câmbio. Passou
meses ironizando os que atacavam o câmbio e, nos dias seguintes, a ironizar os que atacavam as mudanças no câmbio.
Ali quebrou-se o encanto. O
ódio começou a se alastrar
quando se percebeu que o sacrifício anterior tinha sido inútil e,
em grande parte, motivado pela
ambição de FHC por um segundo mandato.
Em nenhum momento FHC
tratou de empunhar a agenda
positiva, a fazer a autocrítica, a
mostrar o rumo e as ações de seu
governo. Pode-se criticar o governo pelo que poderia ter sido.
Mas daí a considerar um fracasso vai uma distância enorme. O
país está entrando em uma quadra econômica positiva, há uma
revolução em marcha nas telecomunicações, investimentos
entrando no país, indicadores
sociais melhorando, profissionalização de estatais.
Mas o pecado original permanece: um ajuste fiscal severíssimo, tirando dinheiro de áreas
fundamentais, para pagar a
conta de uma política cambial
que serviu apenas para poupar
trabalho no primeiro mandato
e garantir uma reeleição tranquila.
E-mail - lnassif@uol.com.br
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