São Paulo, sexta-feira, 28 de julho de 2000


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LUÍS NASSIF

Realidade e impressões

Não fosse trágico, o quadro político atual seria sumamente curioso, como tema para teses sociológicas. A cada dia que passa surgem mais indicadores positivos na economia. A cada dia que passa mais aumenta a catarse contra FHC, um sentimento difuso e barulhento de ódio, expresso nas cartas de leitores e nas denúncias de jornais, em torno do episódio Eduardo Jorge e do caso Marka.
De objetivo tem-se até agora o tráfico de influência exercido pelo ex-secretário depois de sair do governo, algo que pode ser julgado de acordo com princípios éticos, mas não penais. Nada impede que amanhã apareçam provas concretas de que Eduardo Jorge prevaricou ou cometeu crimes. Por enquanto o que se sabe é que ele se beneficiou, depois que saiu do governo, da influência que teve antes -procedimento do qual se valeu parte expressiva dos homens que ocuparam cargos influentes nos últimos anos.
Agora qualquer coisa que apareça é utilizada para incriminá-lo -até uma fita gravada com a voz de Eduardo Jorge aparece em franca conspiração com um diretor de fundo de pensão... em defesa da moralidade pública.
É evidente que é preciso disciplinar o uso da influência pública por parte de quem exerceu o poder. A questão da quarentena vale para membros da equipe econômica e para qualquer outro membro influente do governo. Além disso, é evidente que, apurando-se qualquer coisa objetiva contra Eduardo Jorge, não haverá como fugir da responsabilidade funcional de FHC sobre seu subordinado.
Mas não há nada que comprove, minimamente, que FHC teve participação em nenhum episódio escuso. Essa evidência é admitida por qualquer liderança oposicionista racional, de José Genoino a Ciro Gomes.
No entanto a cada dia que passa sobe um tom na escala de acusações e procede-se a um patrulhamento tão intenso que levou meu colega Clóvis Rossi -insuspeito de ser simpático ao governo FHC- a se explicar por que afirmou que FHC não é Fernando Collor.
O grande problema é que esse quadro que o país atravessa pode ser debitado, em parte, à sede de sensacionalismo, a alianças entre procuradores exibicionistas e mídia carente de manchetes e a revanchismo político. Mas o responsável maior e a grande vítima do processo é o próprio FHC.
Paga-se agora por todos os pecados cometidos no primeiro mandato, o maior dos quais foi a soberba, seguido pela preguiça.
Durante quatro anos a população pagou o sacrifício por acreditar que o caminho para o céu passava por políticas cambial e monetária, que quebraram empresas, Estados e consumidores. Inimigos daquela política foram acusados de integrantes do arco do anacronismo e aí por diante. Em nome dessa bandeira única, FHC se permitiu manter um ministério inoperante, que funcionava apenas em pontos específicos, por mérito exclusivo de um ou outro ministro.
FHC foi reeleito no final de 1998. No início de 1999 o câmbio explodiu. Aí seu comportamento público o liquidou. No dia seguinte, o discurso de FHC era contra aqueles que defendiam a manutenção do câmbio. Passou meses ironizando os que atacavam o câmbio e, nos dias seguintes, a ironizar os que atacavam as mudanças no câmbio.
Ali quebrou-se o encanto. O ódio começou a se alastrar quando se percebeu que o sacrifício anterior tinha sido inútil e, em grande parte, motivado pela ambição de FHC por um segundo mandato.
Em nenhum momento FHC tratou de empunhar a agenda positiva, a fazer a autocrítica, a mostrar o rumo e as ações de seu governo. Pode-se criticar o governo pelo que poderia ter sido. Mas daí a considerar um fracasso vai uma distância enorme. O país está entrando em uma quadra econômica positiva, há uma revolução em marcha nas telecomunicações, investimentos entrando no país, indicadores sociais melhorando, profissionalização de estatais.
Mas o pecado original permanece: um ajuste fiscal severíssimo, tirando dinheiro de áreas fundamentais, para pagar a conta de uma política cambial que serviu apenas para poupar trabalho no primeiro mandato e garantir uma reeleição tranquila.


E-mail - lnassif@uol.com.br



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