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OPINIÃO ECONÔMICA
Miro Teixeira está errado?
MARCOS CINTRA
A adoção da política econômica fortemente contracionista adotada nos últimos anos
encontra justificativa na cruzada
contra a inflação empreendida
com fervor por toda a sociedade
brasileira. Contudo, em nome da
busca da estabilidade a qualquer
preço, têm-se acobertado verdadeiros disparates.
Sabe-se que as expectativas inflacionárias, rigidamente monitoradas pelo Banco Central, determinam o nível das taxas de juros e, consequentemente, a evolução da dívida pública e do crescimento do PIB.
Mas o que determina a expectativa inflacionária?
Há fatores objetivos, como surtos de demanda e choques de
oferta; há também fatores de efeito psicológico, como a conjuntura
internacional e as incertezas políticas.
No Brasil, no entanto, um determinante decisivo das expectativas inflacionárias é a indexação, ou seja, o efeito da inflação
passada na determinação dos
preços correntes e futuros.
No governo passado deu-se início ao necessário processo de privatização de inúmeras atividades
que estavam em mãos do setor
público. Mas, diante da inexorável meta de estabilidade, o governo permitiu que as metas de ajuste fiscal tivessem precedência sobre o ajuste estrutural. A privatização acabou sendo uma forma
de obtenção rápida de recursos
para gerar superávits fiscais. Nos
contratos de privatização, o governo deixou prevalecer o paternalismo estatal sobre a eficiência
competitiva privada.
Em nome do equilíbrio orçamentário, o governo assinou contratos de privatização com indexação de preços. Garantiu, assim,
a rentabilidade dos investidores,
tanto internos quanto externos,
fazendo tábula rasa dos riscos
empresariais típicos de empreendimentos do setor privado. Vendeu concessões quase monopolísticas, sabendo que caberia ao
consumidor o ônus de ser o garantidor dos lucros das empresas,
ainda que em geral -mas nem
sempre- a qualidade e a disponibilidade dos serviços tivessem
sofrido sensíveis melhorias.
O ministro das Comunicações,
Miro Teixeira, tem se colocado
contra os aumentos nos preços da
telefonia. Mesmo sabendo que os
contratos prevêem tais reajustes,
ele alega tratar-se de abuso contra os consumidores. Essa postura
tem lhe valido acusações de demagogia e de ser o responsável pela queda nos investimentos do setor.
O Banco Central mostrou em
recente estudo que entre 1995 e
2002 a inflação medida pelo IPCA
foi de 90,78%, ao passo que os
preços administrados pelo governo subiram 203,04%. Neste período, as tarifas telefônicas subiram
509,7%, o gás de cozinha, 452,4%,
e a gasolina, 223,1%. Ademais, os
reajustes autorizados ao longo do
primeiro semestre do ano, inclusive o polêmico reajuste médio da
telefonia de 28,75% anunciado
pela Anatel no final de junho e a
elevação dos pedágios em mais de
24% nos últimos 12 meses, vêm
causando enorme impacto no nível de preços ao consumidor.
O resultado desse processo é
que, após o Plano Real, os preços
administrados pelo governo foram responsáveis por 50% da inflação do período. Se a taxa inflacionária tivesse sido a metade da
que foi, os juros poderiam ter sido
mais baixos, a dívida pública poderia ter sido menor relativamente ao PIB, os investimentos teriam
sido estimulados e o crescimento
da renda e do emprego não teriam sido tão pífios como foram.
Será, então, que o ministro Miro
Teixeira está mesmo errado?
Governos têm um vício incurável. São costumeiros transgressores das regras que eles mesmos
criam. É o que ocorre com a indexação de preços. Satanizada para
contratos particulares, foi escandalosamente utilizada pelas autoridades na venda das empresas
públicas com o intuito de aumentar os lances nos leilões de privatização. A estratégia logrou sucesso. Foram mais de US$ 22 bilhões
nas teles, com ágios estrondosos
para ajudar na geração dos superávits primários. Mas a conta começa a ser paga agora, pois, apesar da firme defesa das regras de
mercado, o governo não resistiu à
tentação de gerar uma forma de
capitalismo controlado e com lucros garantidos.
É contra isso que o ministro Miro Teixeira está alertando a sociedade brasileira, sem falar nas suspeitas de irregularidades no processo de privatização que ele vem
apontando.
Os dados no quadro nesta página mostram que o grande responsável pela inflação observada recentemente é quase exclusivamente o segmento de preços administrados pelo governo. Vergonhosamente, o governo impõe aos
consumidores os efeitos perniciosos da indexação de preços, mas
não adota os mesmos princípios
para os setores que administra.
A quem interessa? A quem favoreceu? Essa pergunta fica no ar.
Para controlar a inflação que ele
próprio vem gerando, o governo
impõe sacrifícios absurdos à sociedade inocente.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, 57, doutor pela Universidade
Harvard, professor titular e vice-presidente da FGV, é secretário das Finanças
de São Bernardo do Campo e autor de "A
verdade sobre o Imposto Único" (LCTE,
2003). Escreve às segundas-feiras, a cada
15 dias, nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
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