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OPINIÃO ECONÔMICA
História e conjeturas da competição industrial
ANTONIO BARROS DE CASTRO
Diz-se , usualmente, que a
chamada industrialização
por substituição de importações
não submetia as empresas à competição. Não se competiria via
preços, porque diversas formas de
proteção praticamente impediam
o ingresso no país de manufaturas
importadas e porque os preços de
muitos produtos eram diretamente submetidos a controles governamentais. E não se competia por
diferenciação de produtos, já que
as empresas meramente buscavam replicar no país a produção
de artigos anteriormente importados.
Um observador atento perceberia, no entanto, que havia, sim,
competição, a qual se dava, primordialmente, por meio do esforço para ampliar a produção tão
rápido quanto se expandia o mercado doméstico. A partir desse entendimento, a famosa frase de
Delfim Netto ("Quem correr vai
ficar no mesmo lugar, quem não
correr vai desaparecer") resumiria o quadro competitivo da época.
Em 1979/80, com o salto dos juros externos e a subseqüente explosão da dívida, o país ingressa
num longo período de alta inflação e turbulência macroeconômica. Se competição havia, naquele
contexto, não era nem por preço
nem por diferenciação de produtos. Aliás, quando a inflação se
torna alta e notoriamente instável, os preços que não a acompanham provocam a rápida descapitalização das empresas que o
praticam -o que as obriga a
olhar antes para a frente do que
para o lado, reduzindo, correspondentemente, a competição via
preços. Por outro lado, buscar a
diferenciação para reforçar a capacidade de competir faz pouco
ou nenhum sentido, em meio a
um quadro em que a própria sobrevivência das empresas está
sendo repetidamente colocada em
questão, por razões que nada têm
a ver, seja com custos, seja com a
flexibilidade das fábricas. Isso não
significa, porém, que não houvesse competição: competia-se pela
sobrevivência, mediante agilidade (na adaptação aos sucessivos
choques) e capacidade de prever.
Durante a fase de abertura e, sobretudo, em meio à sobrevalorização cambial que tem início em
1994, a produção local e as importações disputam ferozmente espaço no mercado doméstico. Inicialmente, diversos produtos trazidos
do exterior ofereciam grandes
vantagens no tocante a preços,
qualidade e modernidade. Os produtores locais deviam ajustar-se
aos novos preços e atualizar os
seus produtos, freqüentemente defasados, por vezes obsoletos. Tinham a seu favor o conhecimento
do mercado e facilidades no tocante à distribuição -e, claro,
podiam valer-se da importação
barateada dos insumos e de equipamentos críticos para a atualização de seus produtos. O risco aqui
era o "esvaziamento" das empresas e a desmontagem de cadeias
produtivas locais.
Exemplifico, com um caso limite: os produtores domésticos de
guarda-chuvas, sob pressão competitiva asiática, decidem, primeiramente, trazer as hastes da China; a seguir, passam a comprar a
tela da Coréia do Sul; finalmente,
importam cabos de plástico. A essas altura, restava apenas decidir
entre importar o produto acabado
ou (apenas) montá-lo localmente.
Em todos os países da América
Latina, com exceção do Brasil, a
historinha do guarda-chuva poderia ser tida como uma caricatura do ocorrido, a partir da abertura, com boa parte da indústria de
transformação. Nesses casos, a
competição -a um custo maior
ou menor- redirecionou as economias, para o aproveitamento
de recursos naturais ou para atividades industriais de acabamento, altamente empregadoras de
mão-de-obra. No Brasil, por contraste, esse tipo de regressão é antes a exceção do que a regra -o
que vem sendo constatado por diferentes estudos, que confirmam a
preservação dos traços maiores da
estrutura industrial brasileira entre 1990 e 2000.
E daqui para a frente? Três fatos
estilizados devem, no meu entender, dominar as conjecturas a esse
respeito.
Os países industrializados estão
transferindo em massa a produção manufatureira para a China
e outras economias ou plataformas exportadoras. Não parece
haver limite para o avanço industrial chinês -além dos impostos
pela já dramática escassez de recursos naturais. O Brasil está tendo, recentemente, um grande êxito como exportador de manufaturas -o que significa que já está
enfrentando, com relativo êxito, a
intensa e incessantemente renovada competição chinesa no exterior.
Esses fatos contêm pelo menos
uma importante sugestão: a especialização competitiva brasileira,
que não se deu por setores (como
desejavam os críticos e temiam os
inimigos da abertura), deverá
ocorrer -e, ao que parece, já está
se dando- por produtos.
Se assim for, o Brasil estaria
inadvertidamente queimando
etapas: os países desenvolvidos
competem entre si mediante trocas intra-industriais e por meio de
produtos diferenciados. A nova
política industrial e tecnológica,
entendida como uma política de
apoio às inovações, poderá ter um
papel decisivo na consolidação
desse padrão, digamos, superior
de especialização.
Antonio Barros de Castro, 66, professor titular da UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro) e ex-presidente do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às
quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.
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