São Paulo, quarta-feira, 28 de julho de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

História e conjeturas da competição industrial

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Diz-se , usualmente, que a chamada industrialização por substituição de importações não submetia as empresas à competição. Não se competiria via preços, porque diversas formas de proteção praticamente impediam o ingresso no país de manufaturas importadas e porque os preços de muitos produtos eram diretamente submetidos a controles governamentais. E não se competia por diferenciação de produtos, já que as empresas meramente buscavam replicar no país a produção de artigos anteriormente importados.
Um observador atento perceberia, no entanto, que havia, sim, competição, a qual se dava, primordialmente, por meio do esforço para ampliar a produção tão rápido quanto se expandia o mercado doméstico. A partir desse entendimento, a famosa frase de Delfim Netto ("Quem correr vai ficar no mesmo lugar, quem não correr vai desaparecer") resumiria o quadro competitivo da época.
Em 1979/80, com o salto dos juros externos e a subseqüente explosão da dívida, o país ingressa num longo período de alta inflação e turbulência macroeconômica. Se competição havia, naquele contexto, não era nem por preço nem por diferenciação de produtos. Aliás, quando a inflação se torna alta e notoriamente instável, os preços que não a acompanham provocam a rápida descapitalização das empresas que o praticam -o que as obriga a olhar antes para a frente do que para o lado, reduzindo, correspondentemente, a competição via preços. Por outro lado, buscar a diferenciação para reforçar a capacidade de competir faz pouco ou nenhum sentido, em meio a um quadro em que a própria sobrevivência das empresas está sendo repetidamente colocada em questão, por razões que nada têm a ver, seja com custos, seja com a flexibilidade das fábricas. Isso não significa, porém, que não houvesse competição: competia-se pela sobrevivência, mediante agilidade (na adaptação aos sucessivos choques) e capacidade de prever.
Durante a fase de abertura e, sobretudo, em meio à sobrevalorização cambial que tem início em 1994, a produção local e as importações disputam ferozmente espaço no mercado doméstico. Inicialmente, diversos produtos trazidos do exterior ofereciam grandes vantagens no tocante a preços, qualidade e modernidade. Os produtores locais deviam ajustar-se aos novos preços e atualizar os seus produtos, freqüentemente defasados, por vezes obsoletos. Tinham a seu favor o conhecimento do mercado e facilidades no tocante à distribuição -e, claro, podiam valer-se da importação barateada dos insumos e de equipamentos críticos para a atualização de seus produtos. O risco aqui era o "esvaziamento" das empresas e a desmontagem de cadeias produtivas locais.
Exemplifico, com um caso limite: os produtores domésticos de guarda-chuvas, sob pressão competitiva asiática, decidem, primeiramente, trazer as hastes da China; a seguir, passam a comprar a tela da Coréia do Sul; finalmente, importam cabos de plástico. A essas altura, restava apenas decidir entre importar o produto acabado ou (apenas) montá-lo localmente.
Em todos os países da América Latina, com exceção do Brasil, a historinha do guarda-chuva poderia ser tida como uma caricatura do ocorrido, a partir da abertura, com boa parte da indústria de transformação. Nesses casos, a competição -a um custo maior ou menor- redirecionou as economias, para o aproveitamento de recursos naturais ou para atividades industriais de acabamento, altamente empregadoras de mão-de-obra. No Brasil, por contraste, esse tipo de regressão é antes a exceção do que a regra -o que vem sendo constatado por diferentes estudos, que confirmam a preservação dos traços maiores da estrutura industrial brasileira entre 1990 e 2000.
E daqui para a frente? Três fatos estilizados devem, no meu entender, dominar as conjecturas a esse respeito.
Os países industrializados estão transferindo em massa a produção manufatureira para a China e outras economias ou plataformas exportadoras. Não parece haver limite para o avanço industrial chinês -além dos impostos pela já dramática escassez de recursos naturais. O Brasil está tendo, recentemente, um grande êxito como exportador de manufaturas -o que significa que já está enfrentando, com relativo êxito, a intensa e incessantemente renovada competição chinesa no exterior.
Esses fatos contêm pelo menos uma importante sugestão: a especialização competitiva brasileira, que não se deu por setores (como desejavam os críticos e temiam os inimigos da abertura), deverá ocorrer -e, ao que parece, já está se dando- por produtos.
Se assim for, o Brasil estaria inadvertidamente queimando etapas: os países desenvolvidos competem entre si mediante trocas intra-industriais e por meio de produtos diferenciados. A nova política industrial e tecnológica, entendida como uma política de apoio às inovações, poderá ter um papel decisivo na consolidação desse padrão, digamos, superior de especialização.


Antonio Barros de Castro, 66, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.


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