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OPINIÃO ECONÔMICA
A volta da conversibilidade
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR
Quando estou em São Paulo, raramente saio de um pequeno quadrilátero formado pelas ruas Melo Alves, Lorena, Padre João Manuel e Estados Unidos. Domingo à tarde, estava numa das margens do quadrilátero,
atravessando a Padre João Manuel, quando uma senhora me
viu, desligou abruptamente o celular e ergueu os braços: "Acompanho tudo o que você fala e escreve; sempre gosto, sempre concordo", e disparou uns tantos outros elogios enfáticos. Adorei.
De repente, porém, a conversa
tomou um rumo menos promissor. "Beleza não me importa",
disse ela, "só as idéias!", e apontava para o alto como se as idéias
estivessem flutuando por cima
das nossas cabeças. Bem sei que
não sou nenhum Alain Delon,
longe disso, mas a insinuação me
pareceu desnecessária e ligeiramente deprimente.
Aí veio o pior: "Também admiro muito o Eduardo Giannetti",
disse a simpática senhora, que desandou a elogiá-lo também. Ora,
eis aí duas admirações rigorosamente incompatíveis, que se anulam reciprocamente. Tratei de me
desvencilhar o mais rápido que
pude e segui caminho.
Veja, leitor, a sinistra coincidência. Justamente na véspera,
assistira na televisão, com grande
perplexidade, a uma entrevista
em que o referido economista defendia a conversibilidade do real
-uma das propostas mais absurdas que se possa imaginar. Outro
entrevistado no programa, um diretor do Banco Central, também
apoiava a idéia, ainda que não
necessariamente para aplicação
imediata.
Conversibilidade significa a
inexistência de restrições à transformação de moeda nacional em
estrangeira e vice-versa. Era um
dos elementos centrais da malfadada "lei de conversibilidade", o
regime monetário que vigorou na
Argentina de 1991 até 2001 e terminou em uma das maiores crises
da história argentina e latino-americana.
Quem relançou essa idéia recentemente no Brasil foi um economista tucano, com longa trajetória nos mercados financeiros.
Os jornais noticiam que o ministro Palocci manifesta interesse em
discutir o assunto.
Que esse tipo de sugestão possa
ressurgir, com certa repercussão,
depois de tudo o que aconteceu
na América Latina e em outras
regiões do mundo diz muito sobre
a qualidade do debate econômico
brasileiro. A argumentação é, sob
certos aspectos, semelhante à que
se usava na Argentina de Menem
e Cavallo. Trata-se supostamente
de inspirar confiança e gerar "credibilidade", proporcionando a
garantia de que a moeda nacional poderá ser livremente trocada
por dólares ou outras moedas fortes. A promessa é que essa garantia contribuiria para a redução
das taxas de juro no Brasil.
A esta altura, o brasileiro já terá
percebido que "credibilidade" é
uma das palavras mais prostituídas do vocabulário econômico.
Tudo quanto é proposta indecente, ou difícil de defender, procura
abrigar-se atrás desse biombo.
Mas, para não levantar suspeitas terríveis e talvez injustas, digamos apenas que a interação entre economistas e instituições financeiras não tem beneficiado a
discussão de temas econômicos.
Algumas propostas que aparecem
e reaparecem talvez se expliquem
apenas pela perda de massa cerebral que costuma estar associada
à prolongada permanência nos
meios financeiros.
Não vamos esquecer o óbvio
ululante: o Brasil é um país subdesenvolvido, que padece de um
sem-número de vulnerabilidades.
A moeda brasileira é frágil, está
longe de consolidada, como ficou
evidente (mais uma vez) na crise
de 2002. A situação das contas
públicas e das contas externas demandará cuidados intensivos ao
longo dos próximos anos.
A dívida pública cresceu rapidamente durante o reinado tucano, apesar do grande aumento da
carga tributária. O passivo externo do Brasil também cresceu
muito nesse período e continuará
pesando por longo tempo sobre
nossos ombros.
As reservas em moeda estrangeira no Banco Central são modestas quando comparadas aos
ativos financeiros em moeda nacional, em especial aos que constituem obrigações do governo. Em
sua maior parte, esses ativos financeiros domésticos são muito
líquidos, isto é, podem ser transformados em moeda rapidamente. Em outras palavras, é imensa
a demanda potencial por moeda
estrangeira, particularmente em
momentos de incerteza e crise.
Nesse contexto, como pensar em
dar plena conversibilidade à
moeda brasileira? Precisamos, ao
contrário, reforçar e aperfeiçoar
os controles cambiais e a regulamentação dos movimentos de capital.
Tudo seria diferente, é claro, se
estivéssemos em outro país. Digamos, na Suíça. O franco suíço é
conversível, como se sabe, e não
há problemas. Seria uma maravilha se, ao sairmos das nossas casas, nos deparássemos com vacas
saudáveis pastando tranquilamente, uma bela paisagem alpina
ao fundo. Nossos bancos estariam
sempre abarrotados de dinheiro
ilegal de todas as partes do mundo. Enfim, um paraíso financeiro.
Mas, quando saio no meu quadrilátero (também conhecido como a "Manhattan paulista"...), o
que encontro são pedintes em cada esquina, às vezes pessoas e até
famílias morando na rua.
Depois de certa hora da noite
poucos se animam a sair de casa.
E a "Manhattan paulista" toma
ares de cidade fantasma.
Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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