São Paulo, sábado, 28 de agosto de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Memória de crescimento, de Vargas a Lula

GESNER OLIVEIRA

Um estrangeiro que examine os números do crescimento do Brasil, mesmo sem conhecer a rica e complexa evolução histórica do país, percebe dois fatos interessantes.
Em primeiro lugar, não é por acaso que a era Vargas ainda esteja tão viva na memória de um povo que normalmente não dá muita bola para sua história. Foi um período de mudança estrutural e institucional no qual o peso da indústria cresceu de 19% para 24% do PIB (Produto Interno Bruto).
As taxas de expansão do PIB registraram níveis bem mais elevados nos dois períodos de Vargas do que nos anos FHC e Lula. O PIB cresceu a uma taxa média de quase 4% durante 1930-45, chamado no quadro nesta página de Vargas 1. Lembre que tal média inclui a recessão do início da década de 30, que resultou da Crise de 29 nos EUA, com enorme repercussão na economia mundial e em particular nos países exportadores de produtos primários -como o Brasil naquela época.
No segundo governo de Vargas, chamado de Vargas 2 no quadro, a taxa média de expansão foi ainda maior, ao superar 6% ao ano. Como a população crescia a um ritmo elevado nas décadas de 30 a 50 (entre 2% e 3% ao ano), o PIB por habitante aumentou em uma proporção menor durante as fases Vargas 1 e Vargas 2, mas ainda assim em níveis que representam mais que o dobro e o triplo daquilo que se verificou na última década. O PIB por habitante se expandiu a uma taxa anual de 0,95% no governo FHC, diminuindo para uma projeção de 0,73% nos primeiros dois anos do governo Lula.
Em segundo lugar, nosso observador estrangeiro percebe que, apesar de o Brasil ter crescido muito pouco no período recente -e em particular no governo Lula-, há uma recuperação em curso. Diferentemente daquilo que muitos analistas diziam, trata-se de expansão com intensidade razoável comparativamente a outras fases de crescimento nas últimas duas décadas.
Tal fato pode ser constatado ao verificar o comportamento do PIB trimestral desde 1980. O ritmo da atual recuperação é mais forte do que as outras fases de expansão, com exceção do crescimento que se verificou logo depois do Plano Real. No entanto essa última fase foi abortada pelo advento da crise do México e da elevação da taxa de juros.
O gráfico compara a evolução de diferentes períodos de expansão nesse período. É possível verificar, por exemplo, que a atual recuperação ocorre em ritmo mais intenso do que a dos nove trimestres de expansão no período 1999-01.
No entanto, a questão central é saber se a atual recuperação não poderá ser frustrada em pouco tempo em razão de fatores internos ou externos, como o petróleo. Chama a atenção nesse sentido o período relativamente longo -de 17 trimestres- da expansão do segundo trimestre de 1983 até o segundo trimestre de 1987, interrompido logo após o fracasso do Plano Cruzado e a crise da dívida externa. A exemplo daquilo que ocorreu na atual fase, a retomada do nível de atividade foi deflagrada pelo aumento das exportações, mas permaneceram graves desequilíbrios nas contas externas e públicas.
A mera observação dos números agregados não revela, contudo, as razões pelas quais o Brasil não logrou apresentar desempenho comparável ao da era Vargas ou à média do período 1930-80. Seria preciso entender por que não foram feitas as mudanças necessárias para crescer. Mas a dificuldade reside precisamente no fato de que é o crescimento que anima e viabiliza politicamente as coalizões de mudança.


Gesner Oliveira, 48, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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