UOL


São Paulo, domingo, 28 de setembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MUITO ALÉM DO ORÇAMENTO

Funcionários vão parar na lista do SPC por causa de empréstimos contraídos pelo governo

Prefeituras "sujam nome" de servidores

DA REPORTAGEM LOCAL

Em meados de 2002, Maria Elizabeth Evangelista Vieira, 49, entrou em uma loja de Laguna (SC) para comprar um par de sapatos. "Recebeu como uma bomba" a notícia de que não poderia abrir um crediário porque "estava com o nome sujo".
"Eu sempre tinha pago minhas contas em dia", diz ela, que era prestadora de serviços de limpeza da prefeitura municipal.
Outros 200 funcionários públicos municipais da pequena cidade tomaram sustos parecidos. Descobriam que estavam pagando o preço de uma dívida que a prefeitura não saldou. Só havia um problema: o empréstimo estava no nome deles, os empregados.
O financiamento foi contraído em setembro de 2000 com o Besc (Banco do Estado de Santa Catarina). O objetivo era cobrir a folha de pagamento atrasada de agosto e metade do 13º salário. A prefeitura pagou ao banco a primeira parcela, no valor de R$ 221,5 mil. Ficou sem caixa e acabou por não quitar a segunda prestação.
João Gauberto Pereira, então prefeito da cidade, foi derrotado na sua tentativa de reeleição. Em 2001, quando assumiu, a nova gestão identificou irregularidades no empréstimo e resolveu suspender os pagamentos ao Besc.
Em 2002, o banco incluiu os funcionários, que alegam que nem sabiam do empréstimo, nas listas do SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) e da Serasa (Centralização dos Serviços Bancários).
"A prefeitura usou de má-fé. Para mim, estava recebendo meu salário atrasado. Não sabia que era um empréstimo", diz Vieira.
Representantes da gestão anterior de Laguna negam.
"A prefeitura não fez empréstimo. Os financiamentos foram assinados pelos funcionários, que, conscientemente, deram suas folhas de pagamento como garantia", diz Adriano Teixeira Macchi, ex-assessor jurídico da prefeitura.
Mas, segundo Elizabete Mason Machado, promotora estadual de Santa Catarina, o empréstimo era, sim, da prefeitura: "A prefeitura contraiu um empréstimo simulado com o Besc e usou o servidor como intermediário e pagou até os juros da operação".
A Folha teve acesso a extrato do Besc que comprova que a Prefeitura de Laguna pagou o equivalente à prestação e aos juros do empréstimo em novembro de 2001. Existia até uma lei aprovada pela Câmara de Vereadores em 1999 que autorizava o prefeito a fazer convênios desse tipo com bancos e a assumir "os encargos das operações".
Os funcionários, que conseguiram uma liminar para limpar seus nomes, processam a prefeitura.
O caso de Laguna é um retrato quase idêntico do que também ocorreu em Itapema, outro município de Santa Catarina, só que um ano antes, em 1999.
Cerca de 600 funcionários foram parar nas listas negras de crédito, em 2002, e só conseguiram deixá-las por força de uma liminar.
Segundo Magnus Guimarães, prefeito em 1999, a administração já não poderia se endividar naquela época por causa da resolução 78 do Senado: "Os bancos passaram a nos oferecer essa opção de empréstimo com consignação em folha".

Convênios
O governo estadual de Mato Grosso do Sul também admite que intermediou empréstimos nos últimos dois anos para seus funcionários a fim de quitar salários atrasados:
"O Estado tem restrições para se endividar. O governo de Mato Grosso do Sul já é muito endividado. Por isso, recorreu a esses convênios", diz Redel Furtado, auditor-geral do Estado.
Segundo José Maria Rodrigues, presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Cuiabá, a quitação da dívida assumida pelos funcionários nem é registrada na folha de pagamento.
"Isso é a prova de que a dívida, na verdade, é da prefeitura, que paga diretamente ao banco", diz ele, ao mostrar seu contracheque.
(ÉRICA FRAGA)

Texto Anterior: Cuiabá usou sistema para pagar oito folhas salariais
Próximo Texto: Frases
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.