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São Paulo, domingo, 28 de setembro de 2003

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INVESTIMENTO

Arrecadação de tributos pode virar garantia para atrair iniciativa privada em projetos de infra-estrutura

Estado pode bancar risco de parceria em obra

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Nem totalmente público nem totalmente privado. Vem aí um novo modelo de obras e serviços no país em que a iniciativa privada poderá contar até com uma parcela da arrecadação de tributos para garantir retorno a seus investimentos. O exemplo de "empurrão" do Estado foi citado pelo economista Fernando Haddad, assessor especial do Ministério do Planejamento e responsável pela construção do projeto.
Nos próximos dias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva submeterá à consulta pública um projeto de lei cujo objetivo é atrair a iniciativa privada para investimentos em infra-estrutura considerados estratégicos ao país. A seguir, a proposta irá para o Congresso.
O risco da iniciativa privada nos investimentos vai variar caso a caso. "Há setores em que a transferência de risco poderá ser maior porque a atratividade é maior. Em segmentos muito pouco atrativos, pode haver uma modelagem de risco zero", adianta Haddad.
Risco zero significa retorno garantido ao empresário, não por tarifas pagas pelos usuários dos serviços e obras, mas pelo Estado.
As duas mais importantes leis que regulam as relações do Estado com a iniciativa privada -a das licitações e a das concessões- serão "flexibilizadas", explica Haddad, para abrir caminho às parcerias público-privadas, as PPPs.
Elas serão responsáveis por grande parte dos R$ 36,28 bilhões de investimentos privados com que o governo conta nos próximos quatro anos na área de infra-estrutura. O PPA (Plano Plurianual) já prevê parcerias para a universalização dos serviços de energia elétrica e a construção de hidrelétricas, ferrovias e rodovias.

Folha - Por que dizer que as PPPs marcam a volta do Estado, se elas surgem para contornar a falta de dinheiro público e para ajudar os investimentos privados?
Fernando Haddad -
Há uma mudança na relação que se verifica historicamente entre público e privado no Brasil. No modelo antigo, o administrador público simplesmente licitava a obra que lhe aprouvesse. Quando o Estado passa a não ter condições de financiar as obras, o sinal é invertido. A preocupação com o usuário ficou diminuída diante de outros objetivos. Mas o problema fiscal não foi resolvido, e o patrimônio foi transferido ao setor privado.
As parcerias vão ocorrer porque as partes precisam uma da outra. O setor público passa a ver os recursos disponíveis na postura de um empreendedor, mais do que como proprietário. Mas também o empresário terá de deixar de lado o imediatismo para ter uma visão de médio e longo prazos.

Folha - As parcerias serão capazes de atrair a iniciativa privada sem tornar o custo dos projetos proibitivo para o Estado? Sem fazer com que o contribuinte pague mais?
Haddad -
Essa é a forma pela qual você garante com mais qualidade os direitos do contribuinte e do destinatário do serviço público. Deixa de ser uma relação tradicional em que, tendo o Estado dinheiro para me remunerar, eu, empresário, entro.

Folha - Mas esse empurrãozinho que se quer dar aos investimentos privados não pode ser um mal negócio para o Tesouro?
Haddad -
Tudo depende do gestor. Mas é um erro enquadrar a PPP exclusivamente do ponto de vista da falta de recursos públicos. Até porque, se você não tem recursos, basta seguir privatizando.

Folha - Elas não chegaram perto do limite?
Haddad -
Não, há várias estradas, por exemplo, a serem concedidas. E as PPPs não concorrem com as concessões. Elas vão ocorrer quando o usuário, por meio da tarifa, tiver como custear o investimento. Mas há casos diferentes, de estradas que podem ser duplicadas para estimular a presença do turista estrangeiro no Brasil.

Folha - Vai ser preciso mudar as leis de licitação e de concessão?
Haddad -
Essas leis não serão alteradas, mas flexibilizadas em pontos específicos. A lei de concessões impede o aporte de recursos orçamentários para contraprestação de um determinado empreendimento. E alguns deles exigirão aporte de recursos orçamentários até que o empreendimento desmame.
A concessão doutrinariamente exige uma tarifa, e as parcerias público-privadas admitem a possibilidade de você sustentar a obra ou serviço com recursos que não sejam propriamente tarifários. A lei de licitações tem o problema do prazo. Os contratos estão limitados a cinco anos, um bom prazo para as relações tradicionais. Esse é um dos pontos que estamos dependendo de mais conversas para bater o martelo. A questão da forma de pagamento também tem de ser flexibilizada para contemplar as experiências de PPPs. A lei estabelece regras muitos rígidas para efetuar medições e pagamentos dos serviços prestados.

Folha - E há algum tipo de garantia de retorno mínimo para os investimentos da iniciativa privada?
Haddad -
Essa é uma questão importante. O quanto de risco você vai transferir ao parceiro privado. O que o projeto pretende não é estabelecer a priori a parcela de risco transferível. Vai depender de cada projeto. Vamos pegar a área de minas e energia, um setor que, pelos erros cometidos no passado, entrou em colapso. A solução foi um modelo, no caso da geração, onde o risco é diminuído. O investidor tem risco reduzido para viabilizar os investimentos, que são de milhões. No caso, você garante a compra da produção da hidrelétrica e reduz o risco.

Folha - De maneira geral, o risco vai ser dividido entre a iniciativa privada e o Estado?
Haddad -
A União terá de fazer uma análise projeto a projeto. Em segmentos pouco atrativos, pode haver uma modelagem de risco zero. As engenharias jurídicas e financeiras terão de atender aos casos específicos.

Folha - Após aprovada a lei, quais os primeiros projetos que poderão ser viabilizados por parcerias?
Haddad -
O PPA já sinalizou onde há possibilidade de parcerias e vai depender muito da análise dos ministérios envolvidos. A lei não poderia legislar só para a União, ela dará condições para o administrador público de uma maneira geral adotar essa cultura. Na verdade são cinco ingredientes que podem ser combinados.

Folha - Quais são eles?
Haddad -
Você não está criando nada novo, só autorizando a combinação de modalidades contratuais já admitidas pelo direito administrativo: a alienação, a locação, o arrendamento, a contratação de obra para a prestação de serviço público e a construção de obra para exercer atividade de incumbência da administração pública. Esses são os ingredientes.

Folha - O projeto vai conseguir estimular o investimento privado, que parece arredio no momento?
Haddad -
Há uma pressão grande do empresariado por esse instrumento. Há uma expectativa natural porque os juros estão caindo e o investidor passa a considerar outras hipóteses de investimento que não a compra de títulos do Tesouro.

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