São Paulo, sábado, 28 de dezembro de 2002

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TRANSIÇÃO

Dilma Rousseff (Minas e Energia) diz que novo modelo não está pronto

Futura ministra descarta privatização de elétricas

Sérgio Lima/Folha Imagem
Dilma Rousseff, futura ministra de Minas e Energia, em reunião ministerial ontem em Brasília


SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL

A economista Dilma Rousseff, 55, deixa de lado a mineirice de origem quando fala do futuro do setor elétrico, que comandará a partir do dia 1º de janeiro, como ministra das Minas e Energia. E fala grosso, no melhor estilo gaúcho, desenvolvido à frente da Secretaria de Minas e Energia do Rio Grande do Sul: "nós não vamos privatizar nenhuma empresa federal do setor", diz ela.
O governo do PT também não deve levar adiante o desmanche da atual estrutura que mantém integradas geração, transmissão de energia e distribuição do sistema Eletrobrás. "Não há nenhuma lei no país que determine a desverticalização das empresas, isso foi uma decisão política do atual governo, não temos por que cumprir isso", diz.
O novo modelo de gestão do setor elétrico será desenhado em parceria com todos os agentes. Ela afirma, entretanto, que não pretende "reinventar a roda", mas promover uma reestruturação no setor, fundamentada na retomada do planejamento pelo Estado, e na parceria entre os setores público e privado para investir na expansão da oferta de energia.
Da nova política do setor também deverá ser riscado o MAE (Mercado Atacadista de Energia). Criado pelo atual governo para funcionar como uma Bolsa, para comercializar a sobra de energia de regiões não afetadas pelo racionamento, ele será extinto, segundo Roussef.

Folha - A sra. pretende dar continuidade ao processo de privatização e à desverticalização de empresas estatais?
Dilma Rousseff -
Não existe nenhuma lei que preveja a desverticalização -a separação entre geração, transmissão e distribuição de energia-, essa foi uma medida política. Nós não temos por que cumprir isso. Quanto às empresas federais, nós não vamos privatizar nenhuma.

Folha - Qual será o novo modelo?
Rousseff -
Nós temos diretrizes para o novo modelo, não temos o novo modelo até porque ele tem de ser construído. Assegurar através de um planejamento participativo em que todos os agentes do sistema sejam chamados a participar e opinar, que tenha conteúdo de planejamento de longo prazo, que assegure a estabilidade do modelo. Estamos pensando em constituir um pool com todas as geradoras e distribuidoras para compra de energia, uma agência compradora de energia, e que use como lastro a chamada energia velha para constituir hoje um patamar para viabilizar a expansão do setor elétrico.
Outra diretriz nossa é preservar a competitividade da energia hidrelétrica. É muito melhor assegurar compra de energia nova (dos novos empreendimentos) junto com a energia velha (das antigas hidroelétricas), fazendo um mix para baratear o produto final.

Folha - O Copom prevê aumento de 30,3% nos preços da energia elétrica em 2003. A sra. concorda com tal projeção?
Rousseff -
Eu não sei com que cenário o Copom está trabalhando, mas eles devem se basear nos seguintes indicadores: a variação cambial, o IGP-M e a Selic. O reajuste das tarifas ao longo do ano sofre o efeito desses três indicadores. Então, dependendo do desempenho da inflação nos próximos meses, você pode ter uma projeção um pouco mais baixa do que essa ou em torno dessa.

Folha - A sra. espera um aumento menor?
Rousseff -
Eu acho que o cenário vai ser bem mais otimista. Você vai ter uma taxa de câmbio mais estável e, portanto, uma pressão inflacionária mais sob controle. Dessa forma, pode chegar a patamares menores, em torno de 25%, 27%, mas dificilmente escapará disso. Isso é fruto de uma concepção que indexou um serviço, a energia elétrica, ao IGP-M.

Folha - Como o novo governo vai enfrentar as duas bombas armadas para estourar em 2003: a revisão tarifária, que envolverá 17 concessionárias, e a abertura do mercado com a liberação de 25% da energia velha das geradoras, que será comercializada por meio de leilões? O preço pode explodir?
Rousseff -
Não, não pode. No caso da revisão tarifária, trata-se de um reposicionamento das tarifas, não de reajuste. O modelo atual prevê que cada distribuidora tem direito a um reposicionamento de tarifas quatro a cinco anos depois da data da assinatura do seu contrato de concessão. Aí poderá haver revisões tarifárias, inclusive, abaixo dos reajustes tarifários. A revisão tarifária é uma avaliação dos últimos quatro anos de atividade das empresas quando vai-se avaliar se o setor elétrico está tendo seu equilíbrio econômico e financeiro mantido ou não.

Folha - Qual é a real situação do setor elétrico encontrada pela equipe de transição?
Rousseff -
A não ser que alguém tenha uma imaginação muito fraca, supor que a situação do setor elétrico é boa é inviável. Nós tivemos ao longo do ano de 2001 uma das mais graves crises de que se tem notícia na história da energia elétrica no país. Cortar 20% a 25% do consumo, transformar o consumo de 2002 em algo similar ao de 1999 é algo de proporções dantescas e houve impacto disso sobre o desenvolvimento, através do crescimento do PIB. Houve uma queda real na produção industrial.

Folha - Um estudo recente diz que até 2012 o país não sofre risco de racionamento. A sra. concorda?
Rousseff -
Isso é uma falácia. Primeiro, esse estudo esquece que esse excedente que hoje existe se deve ao fato de que houve uma queda brutal no consumo de energia. No entanto, se o PIB crescer 5% o consumo de energia pode chegar a crescer de 6% a 7%. Então, não podemos supor que o Brasil possa crescer com um crescimento residual da oferta de energia. Não. Nós seremos chamados sistematicamente a ampliar a oferta de energia. E mais, todos esses cálculos são feitos considerando uma distribuição de renda inamovível, ou seja, que não há melhora na distribuição de renda, como nós queremos que ocorra. Se olharmos todos os planos econômicos recentes - o Real, o Cruzado- cada variação de renda real no bolso da população resultou em compra de eletrodomésticos. Ou seja, aumenta o poder aquisitivo e se gasta mais energia.

Folha - Como o novo governo pretende elevar a oferta de energia?
Rousseff -
O setor elétrico exige uma política de planejamento de longo prazo. E hoje, no Brasil, ele vai exigir que nós sejamos capazes de construir uma efetiva parceria entre o setor público e o privado. Isso porque o setor privado é hoje o segmento estratégico dentro do setor elétrico. Ele não é um agente passivo. Ele é um protagonista. São dezenas de empresas que investiram e que a gente deseja que continuem investindo. Ora, esses agentes seguiram a orientação da política macroeconômica que vigorou no Brasil, ou foram influenciados por ela . Eles se endividaram e hoje têm problemas para fazer a rolagem das suas dívidas.

Folha - Esse setor está em crise no mundo inteiro, não tem como investir. Quem vai investir na expansão da oferta aqui?
Rousseff -
Algumas dessas empresas tiveram problemas, mas isso não significa que, num quadro de estabilidade, você não tenha investidores privados internacionais que queiram fazê-lo. Mas não vamos achar que os investimentos privados foram feitos no Brasil só com empréstimos internacionais. Houve grande peso dos fundos de pensão do BNDES. É óbvio que vamos ter de conviver com esse cenário de dificuldade de crédito internacional. Ao mesmo tempo, as estatais têm recursos mas estão proibidas de investir para garantir o superávit primário.

Folha - Vocês contam com os recursos das estatais para a expansão da oferta?
Rousseff -
Eu acho que essa vai ser uma das fontes, jamais a única. Por um simples motivo, porque não é suficiente. Eu creio que é viável manter um superávit fiscal alto e aumentar o investimento das empresas públicas como condição de expansão do setor elétrico.

Folha - O programa do PT chegava a propor a extinção do MAE, isso vai ocorrer?
Rousseff -
O MAE não desempenha, nunca desempenhou e jamais desempenhará seu papel, é uma ficção. Vamos extinguir a ficção. Ele continuará como mercado de diferenças, regulado, não vai ser essa maluquice que a cada vez que funciona pune alguns agentes e, em muitos casos, leva a ganhos especulativos de outros.


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