São Paulo, sábado, 28 de dezembro de 2002

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QUEBRA DE SIGILO

Novo decreto assinado ontem desobriga os bancos de enviar ao fisco as movimentações de seus clientes

FHC recua e tira "superpoderes" da Receita

SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente Fernando Henrique Cardoso alterou ontem o decreto que facilitava o acesso da Receita Federal a dados bancários protegidos por sigilo e desobrigou os bancos de informarem ao órgão as movimentações mensais superiores a R$ 5.000, no caso de pessoas físicas, e a R$ 10 mil, no caso de empresas.
O decreto foi editado há um mês para regulamentar uma lei complementar (a de nš 105) que vigora desde janeiro de 2001 e que ampliou o poder de fiscalização da Receita com o objetivo de aumentar o combate à sonegação.
A Folha apurou que o Palácio do Planalto foi pressionado a recuar. O ministro-chefe da Casa Civil, Pedro Parente, informou ao presidente Fernando Henrique Cardoso que havia forte resistência à medida.
O presidente editou um novo decreto que, na prática, dispensa os bancos de informar as movimentações superiores aos limites estabelecidos anteriormente enquanto houver o recolhimento da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, uma cobrança de 0,38% sobre saques e movimentações financeiras). A CPMF será cobrada até o final de 2004.
A lei complementar nš 105 autorizou o acesso da Receita, independentemente de ordem judicial, a dados bancários sigilosos. Outra lei autorizou o cruzamento de declarações de renda com dados sobre a movimentação bancária, obtidos por meio do recolhimento da CPMF, para identificar sonegadores.
A Casa Civil negou que tenha havido recuo. Disse que os bancos teriam de informar a movimentação bancária duas vezes -a primeira delas relativa ao recolhimento da CPMF- e afirmou que o novo decreto apenas simplifica os procedimentos.

Contestação
As leis que ampliam os poderes da Receita são contestadas no STF (Supremo Tribunal Federal) por meio de ações diretas de inconstitucionalidade. O principal argumento é a suposta violação do direito do cidadão à intimidade. Há risco de elas serem derrubadas. Não há data prevista para o julgamento, mas é provável que seja no início de 2003.
As ações foram propostas pela Confederação Nacional da Indústria, pela Confederação Nacional do Comércio e pelo PSL (Partido Social Liberal).
O decreto também seria questionado no Supremo. A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) já havia decidido entrar com ação e preparava o texto.
Logo após sua edição, o presidente do STF, ministro Marco Aurélio de Mello, criticou a legislação de forma genérica. Disse que a considera um instrumento de coação política e citou o livro "1984", de George Orwell.
O livro descreve uma sociedade fictícia em que todas as pessoas são vigiadas pelo governante, chamado "Big Brother" (ou "Grande Irmão"), por meio de circuito de monitores de TV.

Parecer
Para o presidente da OAB, Rubens Approbato, pesou na decisão de mudança do decreto o parecer elaborado pelos advogados Ives Gandra da Silva Martins e Miguel Reale.
O parecer contém o seguinte trecho: "O decreto pune os bons contribuintes deles retirando qualquer garantia, visto que sempre dependerão de humores da fiscalização, pródiga em ofertar à lei distorcida interpretação. É que o fisco, até por dever de ofício, sempre tem por "suspeitos" todos os cidadãos".
Approbato elogiou a mudança no decreto. "A OAB não é contra o combate à sonegação, mas entende que o governo havia transformado, por decreto, todo contribuinte brasileiro em sonegador. A Constituição contém o princípio da presunção de inocência." Para ele, a exigência de ordem judicial para a quebra do sigilo não inibe o combate à sonegação.


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