São Paulo, quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

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FÓRUM ECONÔMICO MUNDIAL

Até pessimista é tachado de otimista ao comentar a crise

Stephen Roach, presidente do Morgan Stanley na Ásia, havia sido banido de Davos por suas críticas; hoje, virou "alienado"

Para Roubini e Soros, há "66% de chance" de a economia global entrar em depressão mais séria que a vista na década de 1930


Pascal Lauener/Reuters
Frequentadores do Fórum, que neste ano está em "estado de choque', segundo George Soros

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS

Stephen Roach, economista que hoje preside o conglomerado Morgan Stanley na Ásia, passou dez anos fazendo o papel de Cassandra nos encontros anuais do Fórum Econômico Mundial. Há dois anos, foi banido, segundo ele por excesso de pessimismo.
Reapareceu ontem e, sinal dos tempos, apenas para ser fuzilado por excesso de otimismo, simplesmente por ter dito que o mundo precisará esperar três a quatro anos para ver taxas de crescimento de 5% e que, em 2010, o crescimento não iria além de 2,5%, assim mesmo com muitos países em recessão (2009 é dado como perdido).
Saltou imediatamente Heizo Takenaka, diretor do Instituto de Pesquisas sobre Segurança Global, da Keio University, do Japão: "Você está muito otimista". Da plateia, Martin Wolf, principal colunista do jornal britânico "Financial Times", foi ainda mais duro: "Estou chocado com o seu otimismo. A economia mundial está implodindo".
Fora da sala, Nouriel Roubini, que assumiu no ano passado o posto de Cassandra deixado por Roach, justificava em incontáveis rodinhas com jornalistas o seu apelido de Mr. Apocalipse (pois previu a catástrofe). "O mundo terá sorte se a economia ficar apenas na contração. Há dois terços de chances de uma depressão."
Outro sinal dos tempos: no almoço para a mídia na abertura do encontro-2009 foi servido um prato igualmente pessimista, na voz de George Soros, o megainvestidor ou megaespeculador, apesar de ele próprio confessar que ganhou dinheiro na crise. "Pouco para tempos normais, mas para esta época bem razoável", ironizou.
Soros foi tão apocalíptico quanto Roubini: "O sistema financeiro global entrou em colapso. Está agora respirando por aparelho" [alusão às sucessivas intervenções dos governos, que, não obstante, não foram capazes de devolver o paciente à vida]. Por isso mesmo, Davos vive o que Soros batizou de "estado de choque".
Como se fosse pouco, na sessão em que se discutiu a outra crise (a da segurança internacional), um especialista suspeitou até da solidez do sistema global: "Apesar da crise, dá-se por certo que a ordem internacional liberal que predomina há décadas seguirá em frente. Como podemos confiar que não sofrerá nos próximos anos um crash como o do sistema financeiro?", perguntou, sem responder, Kishore Mahbubani, da Escola Lee Kuan Yew de Políticas Públicas (Cingapura).
A falta de respostas para a crise, aliás, foi a tônica do primeiro dia de debates em Davos, por mais que os palestrantes esgrimissem dados imponentes para explicar o pessimismo.
De Stephen Roach: "Este ano será a primeira vez, desde 1945, que a economia mundial se contrai". De George Soros: "A magnitude do problema é significativamente maior do que nos anos 30".
O investidor usou números para justificar a comparação: o crédito, como porcentagem do PIB (Produto Interno Bruto), subiu de 160% em 1929 para 260% em 1932, como consequência da deflação e da queda da atividade econômica.
Já nesta crise, o crédito, que era 360% do PIB em 2008, aumentará até 500% nos próximos anos.
Os pacotes até agora adotados tampouco foram poupados: Roubini, depois de elogiar o novo presidente norte-americano, Barack Obama, como "carismático", e sua "excelente" equipe econômica, disse, coerente com o seu catastrofismo, que nem o melhor plano econômico, ainda que implementado rapidamente, dará um jeito na crise neste ano. Talvez em algum momento de 2010.
A fórmula mais mencionada foi cooperação internacional, defendida por exemplo pelo ministro sul-africano de Finanças, Trevor Manuel. Mas ele foi o primeiro a expressar mais dúvidas do que certezas, a ponto de afirmar que o desafio era "entender o que aconteceu e o que está acontecendo".
Para Manuel, houve uma nítida "falha no sistema multilateral", mas ele próprio manifestou, em conversa à parte com a Folha, suas dúvidas sobre a capacidade de serem corrigidas tais falhas nas reuniões sucessivas do G20 que tratam da reforma da arquitetura financeira internacional -e a África do Sul presidia o G20, o clube das maiores economias do planeta, até 2008, quando transmitiu o posto ao Brasil, que agora o entregou ao Reino Unido. "Não adianta os ministros da Fazenda se entenderem, se os chefes de governo não levarem avante as propostas dos ministros."
Stephen Roach, embora também adepto de um multilateralismo mais ativo, observou que não há, na economia global, um mecanismo de "enforcement" (adoção obrigatória de medidas decididas por uma dada instituição). "Não há prêmios por boa conduta nem castigos por má conduta", afirmou.
No lado empresarial, Ferint Sahenk, presidente do grupo Dogus da Turquia, ironizou seu próprio país ao dizer que a presente crise "é a primeira que não criamos".
Mas depois queixou-se, em um tom que é muito parecido com o que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem usado ao tratar do tema: "Fizemos todas as reformas. Por quê estamos sendo punidos?"


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