São Paulo, quinta, 29 de janeiro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Empresários e trabalhadores, cúmplices no assalto

ALOYSIO BIONDI
O assalto contra o patrimônio coletivo -isto é, pertencente à sociedade, classe média, povão, empresários- atinge proporções inacreditáveis, encoberto pelo pomposo título de "privatização".
Todos os dias surgem exemplos de "negócios da China", doações a grandes grupos empresariais e multinacionais -sem qualquer reação dos empresários/contribuintes, trabalhadores/contribuintes, classe média/contribuinte que, por sua passividade, transformam-se em cúmplices do grande assalto.
Banco do Brasil - Vai privatizar, vender o controle de uma subsidiária, a BB Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários. Por quê? Não pode enfrentar a concorrência dos bancos multinacionais que estão entrando no mercado? É ineficiente? Tem baixa lucratividade? Precisa de um "sócio" para absorver tecnologia? Não. Nenhum desses "argumentos", usados pelo governo FHC e de-formadores de opinião para justificar "privatizações" marotas, existe.
Segundo o diretor de Finanças e Relações com o Mercado do BB, Carlos Gilberto Caetano, a distribuidora do BB é -atenção- a líder na administração de recursos de investidores no país. Tem uma carteira de R$ 20,6 bilhões, ou nada menos de 15% de todo (t-o-d-o) o mercado brasileiro. A rentabilidade média das instituições financeiras equivalentes é de 13% a 17% ao ano.
"No caso da BB DTVM, a rentabilidade é superior a 20% ao ano", confessa candidamente o auxiliar do senhor presidente do BB e da equipe Malan & Cia. ("Gazeta Mercantil", 13/01/98). Por que vender a galinha dos ovos de ouro? "Porque nós somos senhores absolutos deste país de bovinos", responde a equipe FHC.
Até tu, Covas
Sob o tacão das botas da equipe FHC/BNDES, o governo paulista, de Mário Covas, vai privatizar seu setor de energia elétrica. Desde o começo, a privatização do setor energético no Brasil se baseia em uma imensa mentira do Planalto e de-formadores de opinião, segundo os quais essa seria uma "tendência mundial".
É mentira. Nos países desenvolvidos, EUA inclusive, o governo não está vendendo suas empresas e usinas (exceção: Inglaterra, na fase Tatcher). A privatização, lá fora, não significou a venda ou doação do patrimônio coletivo, mas sim, tão-somente, a autorização para grupos empresariais privados começarem a operar na área, construindo novas usinas e sistemas de distribuição.
Em São Paulo, está sendo preparada neste momento a venda da megaempresa geradora, a Cesp. Existe um "mico" nessa empresa, a saber, a usina inacabada de Porto Primavera, iniciada há quase 20 anos e que, por motivos que não cabe historiar aqui, "emperrou".
Com isso, o custo de Porto Primavera atingiu níveis astronômicos, por força do cálculo dos juros sobre os empréstimos tomados para sua construção, e que continuaram a crescer porque a usina, inacabada, não produziu as receitas previstas. Qual a solução que o governo Covas planeja para esse "mico"?
Segundo o secretário do Planejamento paulista, André Franco Montoro Filho, o governo Covas vai considerar como prejuízo as cifras aplicadas na construção da usina: nada menos de R$ 9 bilhões... ("Gazeta Mercantil", 27/01/98).
Qual a alternativa? Se a usina de Porto Primavera fosse vendida dentro de um "bloco de usinas", seu alto custo poderia ser compensado, diluído, pelo baixo custo das outras usinas já em funcionamento. Por exemplo: em Porto Primavera, chega-se a um custo de geração de R$ 160 por megawatt/hora; o custo de geração de Ilha Solteira... é inferior a R$ 10 por megawatt/hora! Em resumo: o governo Covas planeja vender as usinas lucrativas e assumir o prejuízo da usina problema, em lugar de procurar um preço médio para a venda.
Que país é este, que líderes empresariais e sindicais são esses, que cruzam os braços diante do anúncio de uma sangria de R$ 9 bilhões para os cofres públicos, para o patrimônio coletivo?
Se a sociedade deseja mesmo a privatização, que ela seja implantada como em outros países, com pulverização de ações. Ou, no caso brasileiro, com o "ressuscitamento" da proposta de utilização das ações para pagar dívidas do governo para com o FGTS, PIS e Pasep.
Em tempo: a Petrobrás descobriu novo campo gigantesco na Bacia de Campos. Poços com produção prevista de estonteantes 10 mil barris/dia, como no Oriente Médio. Por que o BNDES vai leiloar ações da estatal agora, vendê-las para grandes grupos?


Aloysio Biondi, 60, é jornalista econômico. Foi editor de Economia da Folha. É diretor-geral do grupo Visão. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.