São Paulo, domingo, 29 de fevereiro de 2004

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Apesar de alta no consumo ser dada como certa neste ano, setor produtivo pode postergar investimentos

Só expansão interna não "salva" economia

Matuiti Mayezo - 26.nov.03/Folha Imagem
Empresa de embalagens metálicas em SP; setor já prevê PIB menor


DA REPORTAGEM LOCAL

O crescimento de 4,1% previsto para a demanda interna em 2004 não é suficiente para garantir que a economia brasileira volte a crescer de forma sustentada neste ano, segundo economistas e representantes do setor produtivo.
"O crescimento da demanda interna será espasmódico. A capacidade de consumo das famílias tem limite", diz Fabio Silveira, sócio-diretor da MS Consult.
Com a expansão do prazo de financiamento, diz, a prestação do consumidor fica mais barata, o que estimula o consumo e a produção. "Mas não é isso que vai proporcionar uma expansão sustentada da economia. O crescimento da economia não depende só de crédito. Depende também de investimentos", afirma.
De acordo com ele, "ninguém vai comemorar com champanhe o crescimento do mercado interno em 2004, mas a situação das famílias vai estar melhor neste ano do que no ano passado".
A Fecomercio SP (Federação do Comércio do Estado de São Paulo) confirma. "O faturamento real do comércio deve crescer 3% neste ano", afirma Fábio Pina, assessor econômico da federação. No ano passado, as lojas paulistas faturaram, em média, 3,6% menos do que em 2002. "Os setores que dependem de crédito vão vender mais", afirma Pina.

Sinais
Em janeiro, antes de o governo decidir manter pela segunda vez a taxa de juros básica da economia em 16,5%, uma consulta feita pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) indicava que os empresários estavam mais animados com os seus negócios. O Indicador de Confiança do Empresário alcançou 62,4 pontos (variação de zero a 100), maior número desde janeiro de 2001 (65,3 pontos).
Renato Fonseca, coordenador da Unidade de Pesquisa da CNI (Confederação Nacional da Indústria), diz que os juros e a confiança dos empresários determinam os investimentos das empresas. "Os sinais no momento são que haverá crescimento em 2004, mas moderado."
Segundo ele, a CNI prevê crescimento da indústria e da economia neste ano. Mas, depois que o governo manteve a taxa de juros básica da economia, a confederação decidiu rever para baixo o crescimento de 3,5% previsto para o PIB e de 4,5% para a indústria neste ano. "Ainda não temos os números, que serão menores."
Antônio Corrêa de Lacerda, da Sobeet (Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica), diz que a decisão do governo de manter a taxa Selic em 16,5% ao ano pode levar os empresários a postergar investimentos no país.
"Isso deve acontecer, sim, especialmente com os investimentos previstos para o curto prazo, como em estoques de matérias-primas", afirma Julio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial).
Ainda assim, a Sobeet tem uma previsão de alta para investimentos em 2004, apostando que o Banco Central vai recuperar terreno ao cortar a taxa Selic nas próximas reuniões. Mais provavelmente, segundo a entidade, a partir de abril. "Acreditamos que o total de investimentos vá chegar a 18,5% do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano. Esse percentual é maior do que o do ano passado, de 17,5%", afirma Corrêa de Lacerda.
Segundo ele, a participação dos investimentos sobre o PIB cresce porque a economia brasileira deve "crescer por osmose" em 2004. "A base de comparação, que é 2003, é muito fraca", afirma.

Demanda reprimida
A Abimaq, associação que reúne as indústrias de máquinas e equipamentos, prevê para este ano investimentos da ordem de R$ 6 bilhões. Em 2003, os investimentos somaram R$ 4,2 bilhões. Apesar do crescimento, empresários e economistas dizem que o país precisa investir muito mais.
Consulta da CNI com empresários no final do ano passado mostrou que 80% das 1.247 empresas ouvidas tinham capacidade para atender demanda prevista para 2004. Isto é, elas não previam investimentos para aumentar a capacidade produtiva.
Gomes de Almeida, do Iedi, diz que os investimentos podem voltar, se as taxas de juros derem sinais de que vão cair. "Em poucos momentos da história da economia do Brasil, a variável juros foi tão importante para definir quanto o país vai crescer e investir."
De acordo com Paulo Saab, presidente da Eletros (Associação Nacional dos Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos), um fator que deve determinar reação no consumo é a demanda reprimida, por causa da forte retração nas vendas nos últimos anos.
Como muitos consumidores deixaram de comprar pela primeira vez ou trocar produtos por causa da queda na renda e do desemprego, poderiam compensar neste ano, se houver recuperação nesses dois itens. Apesar disso, o executivo acredita que, se o governo persistir na manutenção da taxa Selic, a perspectiva da entidade, de crescimento de 4% nas vendas de eletroeletrônicos neste ano, poderá ser revista.
"Nos últimos anos sempre começamos com previsões de crescimento de 3% a 3,5% do PIB, mas essas expectativas se frustraram todas as vezes", diz.
"Sem redução de juros e aumento de renda e se o governo focar em administrar crises políticas, não vai haver uma grande expansão do consumo", completa, referindo-se ao caso Waldomiro Diniz, assessor do governo investigado por corrupção.
Para o executivo, os investimentos das indústrias do setor são, por enquanto, apenas os necessários. "Podem aumentar, mas vai depender muito de as perspectivas para a economia brasileira neste ano melhorarem."

Questão de otimismo
Amílcar Lacerda de Almeida, chefe do departamento de economia da Abia (Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação), afirma que as vendas de alimentos no mercado interno devem crescer de 2% a 3% neste ano. "Temos a previsão mais otimista e a menos otimista. Pelo comportamento do BC em relação à Selic, a tendência é fecharmos o ano com a menos otimista", diz.
Se a melhor perspectiva se concretizar, afirma Almeida, os investimentos do setor podem crescer até 30% neste ano. "É um círculo. Se o consumo aumentar, aumenta o investimento, que gera mais emprego e renda, o que aumenta o consumo", afirma. "Por isso, quando o investimento cai, cai muito, quando sobe, sobe muito", argumenta.
As indústrias de alimentos investem, em média, US$ 2 bilhões por ano. "Além de queda nos juros, as empresas também aguardam modificações na reforma tributária e definição de marcos regulatórios para investir."
Emílio Alfieri, economista da ACSP (Associação Comercial de São Paulo), também acredita que o crescimento no consumo interno deva seguir a previsão menos otimista.
"Tudo vai depender se o BC vai querer atingir a meta de inflação, de 5,5%, na mosca em 2004 ou se vai trabalhar com uma margem de dois pontos para cima", diz.
"Só que as últimas atas do Copom indicam que a preocupação é em atingir a meta exata", diz. O economista acredita que o PIB brasileiro deve ter um crescimento de 3,5% a 4% neste ano.
(FÁTIMA FERNANDES E MAELI PRADO)


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